×Comentários de Livros

Topic-iconLivro: Palavras Cruzadas

8 anos 6 meses atrás#45por murilo

PALAVRAS CRUZADAS OU ARMADAS?
Murilo Moreira Veras

Sob nosso crivo de leitura, hoje, o romance de Guiomar de Grammont, PALAVRAS CRUZADAS, editado pela Rocco e tendo como orelha as considerações judiciosas do escritor midiático Laurentino Gomes. A autora é escritora, professora e exerce intensa atividade cultural em sua cidade natal, Ouro Preto, tendo seu currículo prolífero em prêmios e louvações.

O Livro: Enredo e Fórum Criativo

Em narrativa em terceira pessoa, a autora cria uma história (ou estória?) de uma personagem, Sofia, que ao tempo todo do corpo narrativo, lê relato em que uma pessoa, apenas designada por A, escreve um diário sobre as suas peripécias diuturnas, como militante da, hoje mítica, Guerrilha do Araguaia, ocorrência, de cunho revolucionário, transcorrida nos fins de 1960 e meados de 1970, na região da selva amazônica. Tratou-se de uma escaramuça que o exército considerou de terrorismo declarado, inspirada nos movimentos revolucionários de Cuba e da China, tendo como líderes máximos, Fidel Castro e Mao-Tsé-Tung. Descoberta em 1972, foi combatida pelas Forças Armadas, quando os militares entraram na região de Marabá e Xambioá, abortando um movimento que tinha por objetivo derrubar o regime militar, tomar o poder e fomentar um levante da população, para instalar um governo comunista no Brasil, a exemplo de Cuba e da China.

Acontece que ela, Sofia, tem o irmão Leonardo, desaparecido e teria participado ativamente na guerrilha. O relato lhe cai às mãos de forma sub-reptícia, através do amigo Marcos. Acaba transtornando sua vida, pois resolve ela mesma averiguar o autor ou autores do diário, com a finalidade de saber o que verdadeiramente aconteceu com seu irmão, naquelas brenhas. A narrativa esmiúça, em detalhes, o que dita pessoa passa na floresta amazônica, atropelos, perigos, angústia, perseguição, fome, pois ele está perdido e quer reencontrar-se com seus companheiros. Depois, surge outro relato, que parece ser a continuação do assinado por A, este com características de escrito por uma mulher, contando sua vida entre os guerrilheiros, agruras e sofrimentos, que passou ou que está passando, tudo por amor – diz ela – ao companheiro, que seria esse tal A.

Depois de muitas peripécias, Sofia indo ao local onde teriam vivido os guerrilheiros, em Marabá e Xambioá, vendo de perto como viviam e o que sofreu o bando, in locum – ela passa a viver o drama do desaparecimento do irmão, as únicas informações são esses supostos diários escritos e que lhe chegaram à mão. Até sua própria mãe esconde fatos à filha, com receio – mas tudo para fazer a história ou estória um suposto tremendo suspense, à lá Magadan ou Glória Peres.

No final, usando todos os artifícios e artefatos que a literatura lhe oferece, como escritora, a autora nos encomenda uma história de arrepiar diante das atividades desumanas praticadas, por ambos os lados, guerrilheiros emboscados e militares, alguns destes descritos como verdadeiros boçais e assassinos, com cenas escabrosas de guerrilheiro tendo a cabeça decepada e mulheres estupradas por soldados. Tudo isso nos é contado nesses diários, que acabam desvendados como escritos por Leonardo, o irmão rebelde e sua companheira.

A crítica, sob Nossa Ótica

O livro da Sra. Guiomar Grammont, ao que tudo faz indicar, parece narrar acontecimentos com seu próprio genitor. Fácil verificar, basta ir na Wikipédia e ver a biografia da autora. Seu pai era militante comunista e foi pego, na revolução de 64, pelos militares e, segundo a Wikipédia, teria sido assassinado como foi Herzog na prisão, certamente por atos terroristas.

É percebível, pois, a intenção da autora de, de certo modo, glamourizar a vida do pai, recontar os fatos, através de uma ficção, bem armada, literariamente bem urdida, com efeitos traumáticos um tanto quanto novelísticos, até mesmo para produzir um produto midiaticamente palatável ao leitor e, quem sabe, mais vendável.

Não se trata de best-seller, evidente. As características romanescas e literárias do romance são de cunho artístico, material ficcional bem trabalhado, com frases curtas, objetivas, descritivo só naquilo indispensável e para infundir, com letras fortes, macabras até, de modo a fazer que a obra transpareça a mais veraz possível.

Do ponto de vista literário, não temos como criticar a performance romanesca da Sra. Guiomar de Grammont, credora que se faz da difícil arte da escritura. Não se trata de uma amadora, mas de uma escritora autêntica, que conhece o ofício, maneja-o com habilidade e certa mestria, não há negar. Prefiro olhar o romance da autora mais do ponto de vista sociológico, politico e também, por que não, pedagógico.

Por exemplo, é perceptível que a autora inclina-se para o lado dos guerrilheiros. basta rever certos detalhes, minudências ínsitas nos diálogos, com certa apologia que faz da atividade em si, a glamourização do fato, da insinuação e, portanto, glorificação de líderes do terrorismo ou das ideologias socialistas, ao mesmo tempo que impinge às Forças Armadas, aos soldados que lutaram contra a escaramuça comunista na guerrilha, sempre descrevendo-os como carrascos, desumanos e verdadeiros assassinos. Ora, é preciso ver que os guerrilheiros também praticaram toda sorte de atrocidades, inclusive com eles próprios, quando chacinavam os companheiros supostamente delatores. Aliás, o relato da autora entrou nesses detalhes, mas sempre por alto, puxando brasa para os “coitadinhos” dos guerrilheiros. Sociologicamente, não deixa de trazer lume ao fato da guerrilha, a absurdidade de ambos os lados, dos guerrilheiros porque queriam implantar, à bala, o comunismo no País, dos militares, à guisa de defenderem a Pátria invadida, cometeram desatinos, ou o pior que seria as Forças Armadas adotarem o silêncio sobre o assunto.

Dois fatos a autora traz a lume para justificar a ação dos guerrilheiros: a Retirada da Laguna e a Guerra dos Canudos. A primeira não tenho grandes conhecimentos, apenas que foi um episódio político-militar, descrito por Escragnole Tonnay. O Canudos foi outro incidente terrível, descrito de maneira crua pelo escritor e militar Euclydes da Cunha, o qual considerou o episódio como uma chacina a envergonhar a história do País. Forçoso é dizer que, a meu ver, os dois fatos nada têm a ver com essa guerrilha do Araguaia. Esta foi um movimento nascido no partido comunista brasileiro – o PC do B, cujos componentes, seus principais dirigentes, eram, pelo menos elementos já fora da lei, como o chamado “Osvaldão”, conhecido arruaceiro no Rio de Janeiro, aderente ao comunismo. Os primeiros treinamentos, preparatórios se deram em casa em São Vicente, Baixada Santista, dirigidos por Armando Gimenez, antigo diretor do partido. O resto – quer dizer aqueles que romanticamente aderiram à luta armada para derrubar a suposta ditadura de 64 – eram na verdade “inocentes úteis”, a maioria jovens estudantes, profissionais liberais e pessoas incautas atraídas pelo sonho protetor da humanidade – o socialismo.

Já sob o ângulo pedagógico, assinale-se que o livro da Sra. Grammont pode insinuar alguns aspectos negativos. Como já fiz ver, há indiretas visando glamourizar líderes comunistas e terroristas, com sutis elogios a Fidel Castro, líder da revolução cubana, a Mao-Tse-Tung, criador da famigerada revolução cultural na China, além de Marx e Lenine.

Observe-se, por exemplo, como a personagem, Sofia, a guisa de pesquisar o ocorrido com seu irmão, desaparecido no Araguaia, se desloca até Cuba. Segue uma pista sobre quem escreveu a segunda parte do diário e é a oportunidade para conhecer Cuba, falar com seus habitantes. E ai mais insinuações, Sofia fica encantada com os cubanos, que acha todos muito simpáticos, principalmente seu guia “um rapaz muito bonito, apesar de jovem” por quem se encantou. Não é pinçado crítica mais atenta sobre o regime de miséria que passa sua população. Che Guevara teria sido o ídolo de Sofia, quando adolescente. E et aluis...

Na orelha do livro, o Sr. Laurentino Gomes traça um elogio rasgado à autora, enfatizando, entre outras coisas, que seu romance é uma espécie de “libelo político acusatório”. Penso ser um exagero da parte desse midiático autor. O livro é uma ficção, que quer se manter como um peça real e verídica, cujo conteúdo pode suscitar várias reflexões, inclusive a de que nossa cultura ainda é frágil, em termos de cognoscibilidade e a atual democracia ainda luta por se consolidar, em meio a essa tempestade de ideologias espúrias que nos rondam.

No final de sua narrativa, a autora encerra sua polêmica obra com essas palavras:

“As árvores respondem com o farfalhar das folhas,
Elas também te esperam.”

Mutatis mutandis, é muito parecido com aquele célebre refrão da canção de Geraldo Vandré, á época, muito badalada pelos esquerdistas:

“Vem, vamos embora,
que querer não é fazer,
quem sabe faz a hora,
não espera acontecer.”

Qualquer semelhança é coincidência mesmo, com afinidade ideológica.

Bsb, 8.10.15


Murilo Moreira Veras
Diretor Cultural da Abace

Please Acessar to join the conversation.

Moderadores: murilo
Tempo para a criação da página:0.188 segundos
Powered byFórum Kunena

Pesquisa Fórum

Palavra chave

Últimas do Fórum

  • Não há postagem a mostrar

Cotação Dólar

Facebook