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Topic-iconO ARROZ DE PALMA : UM ROMANCE DE FAMÍLIA

6 anos 6 meses atrás#77por bruno

Murilo Moreira Veras

Discutimos hoje, no Clube do Livro, o romance de Francisco Azevedo, edição sob o selo da Record, o livro já em 4ª edição. Ora, o autor nos impressiona como uma espécie de “seven-trompet-man” literário, verdadeiro “globe-trotter” cultural e funcional, pois é ex-diplomata do Itamaraty. Mas também é poeta, contista, letrista e – por incrível que pareça – teatrólogo. Haja currículo para tanto fôlego. Ou fôlego para tanto currículo.

Diz a escritora Letícia Wierzchowski na epígrafe do livro: “Uma história de família como um almoço de domingo.”
Não parece uma referência literária, mas demarca a área simplória do romance do autor. Um bate-papo familiar num encontro de domingo. Conversa? Troca de ideias? Intrigas? Picuinhas de irmãos? Acepipes familiares? Ou tudo isso junto? Retornemos ao nosso metier: discutir sobre o livro.

1. O Livro: Evolução da Familia

Livros explorando esse tema “família” os há, é sabido. Reporto-me a um recentemente lido no Clube: “Marcoré”, de Antonio Olavo Pereira. Como sempre ocorre entre nós, no Clube, houve contras e a favor, neste livro, mas certamente é incomparavelmente mais literário do que esse do nosso ex-diplomata. Enquanto naquele o autor narra as peripécias do personagem central, o Marcoré, tendo como fulcro o conflito familiar — neste não existe propriamente um personagem central, mas relações familiares, ou, melhor, põe-se em evidência a evolução temporal de uma família do ponto de vista do amor e desamor entre os integrantes. O autor consagra nessa família — que parece ser a dele próprio — o ARROZ como o elo sentimental que une os familiares, a partir do personagem Palma, irmã de José Custódio e tia do suposto narrador. O arroz que ela, Palma, solteirona, em Portugal, oferta como presente de casamento ao casal José Custódio & Maria Romana. Esse “arroz”, que nunca vai ser consumido, torna-se espécie de símbolo de fertilidade e constância de todos os casamentos da família, a partir do casal José Custódio & Maria Romana.

A narrativa começa com esse casal, que junto com Tia Palma, se muda de Portugal para o Brasil, em 1908. Aportam à terra nova e vão residir em Sto. Antônio da União, interior de São Paulo. A família vai trabalhar na fazenda de um senhor abastado, Avelino casado com Celeste. O casal adota uma filha, Isabel, que, com o tempo, acaba se casando com primeiro filho do casal português, Antônio, ao redor do qual parece se desenvolver toda a história, ele o narrador onisciente. O romance todo evolui para contar a história ou estória da família do casal Custódio & Romana, os novos casamentos que se sucedem, os respectivos filhos. Ao mesmo tempo, fatos e dramas, desajustes e pequenos infortúnios acontecem no seio dessa família, supostamente consagrada ao “arroz” do Amor, graças aos cuidados e à benevolência da Tia Palma. Dai o refrão que o autor/personagem/narrador sempre usa: “família é prato de preparação difícil”, para não dizer indigesta. Essa se prolonga até o ano de 2008, quando até o casamento do afortunado casal completar 100 anos.
Há de tudo nessa família, desavenças entre seus membros, divórcios, até um dos filhos do casal Antônio & Isabel ser “gay” e viver com um companheiro no exterior, Andrew, o qual, de sua vez, tem uma filha, Susan. O novo suposto casal Nuno (filho de Antônio) & Andrew vão criar a pequena Susan. Portanto, trata-se de uma família bem atualizada, dentro dos padrões da família mais moderna desse nosso estouvado tempo.

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6 anos 6 meses atrás#76por bruno

2. À Guisa de Crítica

Neste seu “O Arroz de Palma” nosso formidável globe-trotter literário quer nos apresentar uma espécie de fac-símile da “família brasileira moderna”, ou seja, de como a família padrão, firmada e formada nos costumes lusos, com o passar do tempo aos poucos vai aderindo à modernidade. E o que seria essa modernidade, o que é, afinal, uma família moderna? Uma família, chamada de moderna, hoje, é ter componentes com casais de todo jeito, inclusive, um casal gay, quer dizer formado com seres do mesmo sexo (o tal Nuno & Andrew). Isto, sim, é que é uma “família moderna”: saber compreender tudo, abeberar-se do que há de mais moderno e atual. E aceitar numa boa, segundo o jargão, também moderno, midiático — pensar de outra maneira é ser conservador, reacionário.
Acode-nos uma dúvida: por que o autor não foi um pouco mais avante com sua narrativa, mais atual, mais inovador e revolucionário, quebrando, assim, ainda mais os tabus conservadores da família? Bastava colocar no romance, enriquecer sua moderníssima família de “arroz amoroso” com um belíssimo exemplo da “teoria do gênero” — atualmente um estrondoso sucesso de público e matéria prima de tudo quanto é novela nas TVs, objeto até de certos planejamentos escolares, nossos atuais congressistas esperando a oportunidade para engendrarem projetos-de lei, regulando tão “importante” assunto, para que se acabe de uma vez por todas com a desigualdade social e preconceitos de sexo, inteiramente ultrapassados e que não combinam mais com a modernidade do mundo.

Do ponto de vista narrativo, da literatura em si, somos de que o livro do Sr. Azevedo — homem certamente bem midiático, pois, em impulso incrível, deixou a diplomacia para ser um simples escritor/produtor/letrista/teatrólogo – nos apresenta um romance interessante na sua escritura mais ou menos despojada, repleta de melodramas, de léxico agradável, até mesmo do ponto de vista do que, ali, nos oferece de culinária, como a receita de fazer um bom arroz — mas, se analisarmos com mais profundidade, quer nos parecer que o texto nada nos oferece em peso artístico de literatura em si. Nesse terreno, o da beleza literária, do conflito formal e psíquico dos personagens, de uma trama bem urdida, tudo que pode nos proporcionar reflexões em termos de arte e expressividade, de nossa parte não vemos grandes qualidades na sua obra.

Em contrapartida, o romance do Sr. Azevedo nos dá azo a fazer muitas reflexões, principalmente as relacionadas com a família, sua evolução e de como tem se degenerado com o fluir do tempo, não como instituto em si, isto é, a família como célula-mater da sociedade, o embrião natural e sagrado responsável pela constituição do ser humano. Esta continua perene, pois se assim não fosse o ser humano inclusive já teria desaparecido. O que ocorre é que ela, a família, tem sido, de uns tempos para cá, alvo de terríveis ataques, assim como o ideal do verdadeiro humanismo cristão. De tal sorte têm sido essas ameaças que ousaríamos afirmar que talvez os dias da família natural estejam contados, e não está longe o dia em o maior descalabro no mundo venha a ocorrer — de o ser humano se tornar uma criatura virtual, portanto amoral, aética e totalmente desumana. Nesses tempos não há negar terríficos, o apocalipse se desencadeará, aliás, como previsto nas profecias sagradas. Então se confirmará o que nosso velho, mas sempre sábio Dostoievski escreveu com sabedoria: “Se Deus não existe, tudo será permitido.”

Bsb3, 16.09.17

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