As Brasas - Autor: Sandór Márai

Próxima reunião do clube do livro dia 20/08/2015

Livro: AS BRASAS

Autor : SANDÓR MÁRAI 

Editora : COMPANHIA DAS LETRAS

UMA REFLEXÃO SOBRE UM BRASEIRO LITERÁRIO
Murilo Moreira Veras

O presente livro, de autoria do escritor húngaro SANDÓR MÁRAI, vai ser discutido no próximo dia 20.08.15. Trata-se de um romance e por seu conteúdo e temática na linha psicológica. O livro foi censurado até 1942, quando então foi liberado. Também o autor sofreu no regime comunista, certamente por não se adaptar ao sistema antiliberal adotado, à época, a Hungria sob o tacão de Stalin. Leia mais [...]

 

Não é uma literatura fácil, tampouco agradável. Creio que todos do Clube chegarão a essa conclusão. O autor, ele mesmo um casmurro de humor pessimista, faz transparecer seu estado de espírito nos personagens, Henrik, o general, Konrad, seu amigo desde a infância, sua mulher, já falecida Krisztina e sua ama, a idosa Nini.

O enredo todo é praticamente passado em "feedback", quer dizer, é uma história referindo-se a uma outra história do passado. O presente vivido em função do passado, ou vice versa, o passado como "tour de force" a mover o presente. Isto já complica.

É uma espécie de "briga de foice"  cuja a arma principal é a palavra, a troca de palavra. E o interessante que também mais parece um monólogo, porque só o General é que mais desanda a falar, revolver o passado e, de certo modo, promover uma vingança.

Trocando em miúdo, a trama parece até muito vulgar. Na verdade é um triângulo: o General, sua mulher Krisztina e o amigo Konrad. Uma história de traíção, mas uma traição que só é percebida pelo traído muitos anos depois, quando o leit-motif do imbróglio já é falecido.  

Ora, o General descobre a traição da mulher e o que é pior, que seu amigo Konrad, naquele dia em que foram caçar juntos, numa manhã brumosa, teve a intenção de mata-lo.

Está ai todo o drama skakespereano.

Agor observemos certas implicações. Nosso Márai escreveu este romance no século XX, nascido em 1900. Pois não será que tem algo do famoso livro de Machado de Assis, Dom Casmurro, escrito no século XIX? Em D.Casmurro, Capitú traiu o marido Bentinho, mas o ato não fica claro, porque só temos a versão do traído, os verdadeiros fatos ocorridos estão difuso, não se sabe se realmente ocorreram. Neste, a personagem trai mas não se tem o tempo perfeito, mas o General deduz pelos indícios deixados, uma caixa de correspondência, uma flor, um olhar de traição da mulher que ele redescobre mais tarde.

Em Dom Casmurro, o enredo é um fio que vai se desenrolando e reconta-se a história de uma traição psicológica que está dentro da personalidade da autora, a ardilosa Capitu, de olhos de ressaca.

Pode-se alegar que o livro de Machado também não tem ação, sim, porque é totalmente psicológica. Além do mais ele lança um enigma para o leitor, que é o objetivo do autor: deixar a dúvida.

Márai não quer deixar dúvida, ele cutuca a inteligência do leitor e nós, leitores, ficamos refém de seu enredo, aprioristicamente confuso. E é assim que o dilema fica sem solução. Afinal o que quer o General, vingança? Como se vingar de um fato tão distante no tempo e contra um amigo, que só agora descobre que não é mais seu amigo?

Mas modifiquemos o olhar e nos embrenhemos em outro lado da questão. E se o autor refere-se à própria pátria, a Hungria, traída e cuja vingança já não poderá ocorrer, a liberdade sufocada, sem horizonte?

O grande problema é que, no meu entender, um autor quando quer transmitir sua mensagem, que deve ser de otimismo, para não cair no abismo do pessimismo, às vezes insano ou enigmático como, por exemplo, o de Kafka ou Nietzsche, perde muito de sua magia literária, quando, num ato extremo de loucura, suicida-se - como foi o caso de Sandór Márai.

Murilo Moreira Veras 
Diretor Cultural