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Topic-iconLivro: "Uma Rua de Roma" - Autor: Patrick Modiano

9 anos 1 mês atrás - 8 anos 10 meses atrás#6por tereza

O FIO DE ARIÁDNE MODIANO

Murilo Moreira Veras

1. O Autor

Prêmio Nobel 2014, o escritor francês Patrick Modiano é autor de 40 livros, dos quais 30 são romances, portanto é um romancista. É badalado na França, decantador de Paris. Recebeu o prêmio máximo francês, o Goncourt e o Prêmio de Romance da Academia Francesa justo por este livro “Uma Rua de Roma” – em francês Rue des Boutiques Obscures. Escreveu roteiros cinematográficos (Lacombe Lucien, em parceria com o cineasta Louis Malle, em 1974), também autor de livros infantis e não ficção. Enfim: é um verdadeiro “gênio” esse “admirado e festejado pela irretocável beleza de seu estilo claro e fluente” que é Patrick Modiano.

2. O Livro, suas Nuanças

O título em português não revela muita coisa, é vago “uma rua de Roma”, melhor e mais adequado o original, em francês “Rue des Boutiques Obscures”. Porque é a história que se passa numa rua de obscuras boutiques, misteriosos lugares, pessoas erráticas, personagens que se sucedem quase aleatoriamente, nomes difusos – tudo para, numa sequência de capítulos, também confusos, realçar a amnésia do personagem principal. Aliás, ninguém sabe realmente quem é esse personagem. Guy Rolland, auxiliar do detetive C.M.Hutte? Howard de Luz que também pode ser seu avô? Pedro McEvoy, espécie de boa vida? Pedro Jimmy Stern, mas este teria desaparecido em 1940? O que se sabe é que ele, Guy Rolland, não sabe quem realmente ele é e busca, de forma difusa e como diz o francês,“nonchalement”, quer dizer, preguiçosamente, sua verdadeira identidade, pois perdeu a memória.
Não há negar, é uma narrativa singular, mas extravagante. Para se ter uma ideia da extravagância do autor, seu livro contem nada menos que 35 personagens e cerca de 54 lugares que o tal Guy Rolland percorre ou são apenas citados. O intuito do autor é esgarçar a trama, torná-la cada vez mais confusa, labiríntica, desnortear o leitor, a meu ver, à guisa de uma novela policial ou policialesca. Nosso Rubem Fonseca faria melhor, embora sem o charme desse premiado Modiano. Outro que Modiano quer imitar, mas está longe, em estilística e logística ficcional, é John Le Carré, cujas novelas primam pela aventura, mistério e muita ação.
O livro lê-se quase de um fôlego. O autor propõe logo de início um enigma para o leitor decifrar, ou melhor vai guiando-lhe os passos para, ao final, ousar encontrar o resultado. Ocorre que não existe “the end”, como nos filmes noir. Então a narrativa do Sr. Modiano não deixa de ser uma história noir, de filme, não tem fim, é indefinida, obscura, enigmática.
A segunda orelha do livro parece nos dar uma suposta chave. “La Vie dele Bottegne Oscure”, que teria dado nome ao título do livro, é uma rua existente em Roma que, na década de 1930, integrava o gueto judaico italiano.
Que chave seria essa? O que essa narrativa quer se referir, melhor, o que representa esse Guy Rolland, desmemoriado, a buscar sua verdadeira identidade? Uma tarja na orelha tematiza: “...Uma narrativa esplendorosamente labiríntica, da qual o leitor sai fascinado para sempre.”
Ousarei fazer uma elucubração a respeito desse enigma proposto pelo autor. Penso que Modiano, o autor, possa ter se inspirado em assunto da Segunda Grande Guerra Mundial. Digo mais, nos filmes de espionagem, notadamente um dos que se constitui, até hoje, um dos maiores enigmas cuja trama não foi elucidada, de maneira totalmente convincente. É o filme “Casablanca”, os protagonistas principais Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Ali não é um indivíduo só que busca resgatar sua verdadeira memória, é a própria história que quer se desvendar, em si mesma, nos personagens, os quais, observe-se, são todos aventureiros. O enredo é labiríntico. É época da Guerra. Há um americano perdido em Casablanca, dono de um bar, estilo americano, por onde passam inúmeros personagens, policiais, foragidos, espiões, vigaristas, todos ali se mistura, interagem. Fogem do famigerado conflito? Ou fazem parte dele? O americano (Bogart) teve uma paixão no passado, com a belíssima (Bergman), também desconhecida e que atualmente está casada com um foragido, talvez espião. Esses três personagens se encontram no tempo real do filme, em Casablanca, no bar do americano, na realidade também um aventureiro. Bogart vê reacender sua antiga paixão, mas ela, Ingrid, vive com um espião, de si, perseguido pela polícia. Bogart o esconde no bar, faz parte de sua paixão ajudar. Há uma intriga policial, o marido espião tem de ser repatriado para a Alemanha. Trocando em miúdos: o casal é descoberto, têm de partir num voo noturno fretado. E aquela cena final que simboliza toda a ideia do filme: o casal entrando no avião e Ingrid Berman, chorosa, mas lindíssima, acenando para seu ex-amante Boggart da porta do avião, enquanto este responde com aceno, longe. E o avião parte furando a neblina a envolver o cenário numa atmosfera de enigma e mistério.
Ora o nosso herói – melhor, anti-herói Guy Rolland, que é auxiliar do detetive C.M Hutte, está de partida, porque seu empregador está encerrando a atividade e vai fechar o escritório. O detetive sabe, nebulosamente, que Rolland perdeu e memória e que vai buscar encontrá-la, não sabe onde nem quando. Tudo é nebuloso. Ele pode assumir a identidade de várias pessoas. É Pedro McEvoy, que trabalha na Embaixada Dominicana, amigo de Porfírio Rubirosa – aquele célebre play-boy, na realidade grande vigarista internacional. Mas também pode ser Pedro Jimmy Stern (este teria desaparecido em 1940), bem como Howard de Luz. Qual deles é o verdadeiro personagem?
Na realidade, todos os personagens são vigaristas, de uma forma ou de outra. Ou são contrabandistas, indivíduos indolentes, sem caráter. Há inclusive um tal “Cavaleiro Azul”, que só se tem dele a voz e que parece até ser um assassino.
A narrativa segue um caminho vagaroso. Guy Rolland não parece muito preocupado, vai levando, com uma sucessão de fatos, até desimportantes. Apontam-se ruas, avenidas, cafés, hotéis (geralmente decadentes) de Paris, lugarejos. Os personagens às vezes surgem do nada, aqui e acolá se ligam à trama. Estes são sempre figuras erráticas, não há nada fixo na narrativa. O leitor fica ansioso – se é que há surpresa na leitura do livro, parece mais um filme “déjà vue”. Nada de novo no front dramático.

3. Um Fio sem Fim.

Ao final, a narrativa não tem fim. Guy Rolland não reencontra sua memória perdida, diz que vai para o Pacífico, quem sabe outro personagem fantasma o ajude, um tal Freddie. E é por isso que o livro tem esse nome “Rue des Boutiques Obscures”, porque tudo é obscuro, brumoso, o autor parece não encontrar apoio em sua história.
Outra versão interpretativa viável seria que o Sr. Modiano quer se referir à atmosfera, em Paris, à época da Segunda Grande Guerra. A vida não faz sentido, o mundo parece perdido. O gueto de “La vie delle Bottegne Oscure” em Roma é o mesmo gueto de Paris. O pós guerra é asfixiante, cria uma vigarice generalizada. O judeu deixou-se cordeiramente ser levado para os fornos nazistas. Nonchalement, sem reagir. Guy Rolland consegue se salvar do forno da mediocridade. Onde está a bela Denise Yvette Coudreuse? Caiu numa armadilha, a armadilha da fuga do inferno nazista. Ela própria uma ladra, uma vigarista, que se deixou prender? Denise seria Ingrid Bergman que perdeu também o amante. Não é um avião atravessando a neblina, mas um carro cujos viajantes foram aprisionados na fronteira.

4. Reflexões Ficcionais Recorrentes

O romance do Sr. Modiano tem qualidades ficcionais, está bem escrito, tem estrutura moderna, capítulos curtos, tanto quanto um “best-seller”, digamos “light”, desses que não visa o mercado fácil. Seu estilo é objetivo, mas, a nosso ver, falta-lhe agilidade, atmosfera de um verdadeiro suspense, como policial também falha, desprovido totalmente de ação. Romance de amor também não é, foge-lhe o sal, o necessário voyeurismo – inexistem cenas de sexo no livro. Em certos momentos decai na vulgaridade. Os personagens – que absolutamente não são redondos como requer a boa psicologia romanesca – são frágeis, evasivos, desfibrados de caráter. Muito diferente dos personagens, por exemplo, de um romance como “Trem Noturno Para Lisboa”, com figuras fortes, expressivas, bem urdidas psicologicamente.
Cá aos meus botões, fico imaginando se um romance como “Dom Casmurro”, se tivesse sido escrito por um autor francês, certamente teria arrebatado das mãos do S. Modiano o prêmio Goncourt que recebeu por este “Uma Rua em Roma” ou “La Vie des Boutiques Obscures”. E o que dizer da surpreendente novela “Noite”, de Érico Veríssimo, narrando as peripécias noturnas de um desmemoriado em Porto Alegre? Ou o interessante “Os Tambores de São Luis”, uma história do Maranhão vivido em um só dia por um personagem? E cito também a novela “Maria da Tempestade”, com que João Mohana estreou o modernismo em São Luis. Mas seus autores não são franceses, mas brasileiros cuja nação, o Brasil, segundo Charles De Gaulle “.. n’est-ce pas um pay sérieux.”

Comentário de Murilo M. Veras, em Bsb, 27.03.15


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9 anos 1 mês atrás - 9 anos 1 mês atrás#4por tereza

Clube do Livro:
O livro que será discutido: "UMA RUA DE ROMA", o autor PATRICK MODIANO, da Editora Rocco.
Data para discussão do livro: 09.04.15, às 10 horas.
Local: ABACE.
Onde encontrar: Nas principais livrarias e o valor parece não chegar a $30,00.


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