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Topic-iconQUANDO ÉRAMOS ÓRFÃOS : GÊNERO INDEFINIDO?

5 anos 6 meses atrás#82por bruno

QUANDO ÉRAMOS ÓRFÃOS : GÊNERO INDEFINIDO?

Murilo Moreira Veras

Examina-se hoje, no nosso CLUBE DO LIVRO, o romance do autor japonês, naturalizado inglês e ganhador do Nobel de literatura de 2017 — KAZUO ISHIGURO. A obra intitula-se QUANDO ÉRAMOS ÓRFÃOS. Trata-se de autor prolífero, mas não necessariamente profícuo em termos ficcionais. Explique-se isso no decorrer do presente comentário.
1. Prólogo.

Ishiguro, o autor, nasceu em Nagasaki em 1954 e mudou-se para a Inglaterra aos cinco anos, portanto é quase inglês. Nota-se que descreve os ambientes tanto londrinos quanto os de Xangai, com minúcias, tal como ocorre com esse “Quando Éramos Órfãos” de 2000. Tendo o presente romance como amostra, conclui-se que o autor é extremamente meticuloso, usando diálogos inteligentes e até certo ponto com parcimônia, a obra, portanto, não identificável como best-sellers. Sua leitura, entretanto, é cansativa e boa parte da narrativa, mais ou menos descartável, tomando-se por base o modelo de romance policial.

2. Do Enredo: o fim não justifica os meios.
Não podemos identificar o gênero específico de “Quando éramos órfãos”, se uma simples narrativa de aventura com pitadas de amor incompreendido ou simplesmente uma história policial — posto que o enigma, o desvendamento do crime e seu próprio vilão, qualificativos do gênero, parecem desaparecer na arrastada narrativa. O narrador é Christopher Banks, que em forma não dialógica, isto é, monológica, vai desfiando os principais fatos de sua vida, da infância até se tornar adulto, quando, seguindo intuição desde quando infante, se torna um grande e reconhecido detetive. Seus pais moram em Xangai, funcionários de uma grande firma, que lhes propiciam bons salários e staff social. Por interesses escusos, seus pais se envolvem com o tráfico de ópio entre Xangai e a China. Não muito esclarecido os motivos, o fato é que ambos, pai e mãe são raptados por uma gang chefiada por um tal Wang Fu e, por incrível que pareça, com a intervenção de um personagem chamado Tio Phillip, que não é esclarecido se parente mesmo de Christopher ou um simples codinome. O pequeno Christopher é trasladado para a Inglaterra e vai morar com uma tia longínqua, de quem recebe cuidados e sua educação formal. Passam-se anos e os pais de Christopher não são mais encontrados, apesar dos supostos esforços oficiais do governo de Xangai. Entrementes, Banks torna-se um famoso detetive, por desvendar vários casos — dos quais, inclusive, o leitor é pouco informado.
Eis que, numa dessas tarefas, Christopher, retorna a Xangai para desvendar um caso e resolve, afinal, desvendar o sequestro de seus pais, saber se ainda vivem. É quando encontra dois velhos amigos: um colega de infância, Akira Yamashita e Sara Hammings. É exatamente nesse ponto, já decorridos três quartos do livro, que o sr. Ishigura resolve assumir sua narrativa policial ou policialesca. Isto porque esses três quartos são para narrar divagações sobre outros personagens, inclusive uma suposta paixão enrustida que Chrstopher nutre para com a Srta. Sara, agora já casada com um certo Sir Cecil Medhurst, muito mais velho do que ela. Enfim, após algumas divagações, ata e desata do nó em que se constitui o sequestro de seus pais, surgem-lhe as revelações feitas pelo o tal tio Phillip, o qual, na realidade teria sido conivente com o sequestro dos pais de Christopher este, enfim, vindo a saber do ignóbil segredo: o tal tio Phillip queria mesmo era ser amante de sua mãe e praticamente entregou-a ao vilão Wang Fu — e o absurdo dos absurdos: a mãe de Christopher tornou-se concubina do vilão em troca da educação do filho na Inglaterra. Por sinal, um fato igual às narrativas de a “Vida Como ela é” do realismo infame de nosso teatrólogo Nelson Rodrigues. Final do drama: o pai de Christopher enganava a mulher, fugiu com uma amante, tendo morrido à míngua. A mãe consegue ser libertada do vilão depois de muitos anos de reclusão, o filho a reencontra em Londres, numa casa de repouso, totalmente fora de si. Christopher torna-se tutor responsável pela sobrinha Jennifer e ele, o suposto grande detetive, passa agora sua vida relembrando algo do passado — sua antiga amada, casada outra vez, e nunca mais se viram um ao outro.
3. Nossa Crítica.
O monólogo do personagem vai se arrastando por três quartos do livro, no qual relata sua infância em Xangai. São uma espécie de flashes por onde o autor tenta dar autenticidade à sua história. O leitor disso pouco se apercebe. Christopher torna-se um grande detetive, mas escassas as informações a respeito. O mesmo ocorre com sua vida sentimental. Afinal ele se apaixona por Sara? E Sara não sente nada por ele? Aliás, essa personagem é enigmática no romance, pois não se sabe exatamente o que faz, parece pessoa volúvel infiltrando-se nos ambientes sociais, tanto que, às vezes, ela se torna persona non grata. De repente ela fisga um partidão: Sir Cecil Medhurst.
O problema do sr. Ishiguro neste livro é que como novela policial deixa a desejar. O enigma é obscuro, assim como o vilão, sem falar no suspense da narrativa, que nos parece forçado. Outro problema é a escritura por demais descritiva, à mingua de ser enxuta. Se comparamos, por exemplo, com o perfil do legítimo gênero policial, como nas obras de Edgar Allan Poe, um clássico ou até mesmo as de Agatha Christie — no caso dela, o espetacular romance retratado em seu “O Expresso Oriente” (1934), já filmado duas vezes, com grande sucesso. Christopher está muito longe de se equiparar ao malabarismo intelectual de Sherlock Homes, a genial criação de Arthur Conan Doyle. Ou dos antigos best-sellers de Raymond Chandler, seu detetive magistralmente encarnado por Humphrey Bogart, nas telas. Por outro lado, como romance de aventura e amor, também é frágil. Não há cenas representativas do gênero, uma pegada maior dos supostos amantes! Tudo corre muito manso, de tal sorte que Christopher parece mais um eunuco, tanto no amor quanto na ação detetivesca. Tem-se a impressão que o sr. Ishiguro quer contar uma história sob o tacão do politicamente corretíssimo — e ai o policial se transforma numa história mais ou menos banal, sem o toque de excepcional.
QUOD AD DEMONSTRANDUM – pelo menos por enquanto.

Bsb,10.10.18

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