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5 anos 1 mês atrás#84por bruno

MORTAIS : A ARTE DE MORRER & O PAPEL DA MORTE

Murilo Moreira Veras

Sob exame no Clube do Livro a obra Mortais (Being Mortal), de Atul Gawande, médico cirurgião de origem indiana, arraigado nos Estados Unidos, o pai com clínica médica e toda sua família dedicada à medicina. De início, o depoimento do Dr. Gawande é simplesmente deprimente, depressivo, terrível, horripilante — um horror. Inobstante, necessária sua leitura, nós, pacientes literários temos de aceitar essa espécie de “bomba atômica literária” que inexoravelmente nos atinge: a morte. Eis o assunto do livro. Parodiando Vinicius de Morais, diríamos nós sobre esse petardo do cirurgião literato: Como morrer, melhor não sabê-lo, se não conhecê-lo, como sabê-lo?
Assim, para saber do que se trata, vamos nos debruçar um pouco sobre esse manual terrorífico de doenças. Vamos tomar ciência sobre o que é a ars moriendi (arte de morrer) e dying role (papel da morte ).
1. O Depoimento Técnico

Trata-se de 200 e tantas páginas de histórias sobre doenças, ditas terminais no jargão médico, evolução das terríveis consequências, tratamentos invasivos e evasivos dos pacientes, acompanhado dos relatos familiares, até os últimos instantes de suas vidas. Mas o livro do Dr. Gawande não se resume nisto, que não teria grande valor. Seu objetivo principal é fazer uma alerta e, com esse alerta, reconhecer como a medicina atual pouco ou nada sabe sobre essas duas artes nessa grande travessia que é a vida humana, isto é, a vida de cada ser humano. Essa nossa travessia que acaba com a morte.

Os depoimentos são autoevidentes — explicam-se por si próprios. São pacientes acometidos de doenças graves, praticamente em estado terminal. O autor, ele mesmo cirurgião, analisa e expõe a situação de casos em que se envolveu. Expõe com clareza, aqui e ali utilizando o jargão médico, a situação dessas criaturas, por assim dizer às portas da morte, a luta contra a doença, geralmente câncer malignos. Como cirurgião, ele acompanha o tratamento dos pacientes que trata e tratou, inclusive do próprio pai, também cirurgião que, aos setenta e poucos anos de idade vê-se atacado por um tumor dentro da medula espinhal, tipo de câncer agressivo e incurável.
O autor dedica boa parte de seu relato sobre a verdadeira via crucis de seu genitor, a luta terrível para sobreviver, mas totalmente baldados seus esforços até vir a sucumbir à virulência da doença. É o que ocorre com outros pacientes, poucos podem se curar — constata o cirurgião. Todo seu trabalho agora é fazer com que os pacientes consigam administrar seus últimos momentos da melhor forma possível. A partir daí, admoestado por uma espécie de misericórdia, à conta de sua herança indiana, segundo a qual as pessoas idosas ou em estado terminal recebem todo o apoio da família e da própria sociedade, Atul Gawane tenta aplicar esse procedimento a seus pacientes. Começa criticando a maneira como a medicina ocidental e os médicos que a exercem tornam-se alheios ao sofrimento dos pacientes. Agem como técnicos, burocratas, focando suas atividades nos procedimentos frios da tecnologia, desleixando os aspectos humanos dos pacientes e, principalmente — o que seria o ponto crucial da questão — não sabiam lidar com a morte, como minorar o sofrimento desses entes humanos em estado absolutamente terminal, seus últimos momentos de vida. Nas palavras do autor: “Sabemos cada vez menos sobre nossos pacientes, e cada vez mais sobre nossa ciência.” (pag.189).
Nos Estados Unidos, as pessoas nessa situação são tratadas por dois sistemas: as casas de repouso (os asilos de velhos e doentes terminais), mais antigas e o sistema, que tem vigorado mais recentemente, das chamadas moradias assistidas. No primeiro caso, os pacientes são tratados como em hospitais, sujeitos ao rígido regime daqueles estabelecimentos, sem que as pessoas tenham o direito sobre suas ações, o que fazer e não fazer. Já nas moradias assistidas, ao contrário, os pacientes tornam-se moradores, administram suas vidas, espécie de condomínio, apenas dotado de todo o aparato clínico, para o atendimento necessário e urgente. Explica o autor que esse sistema é muito mais humano e conduz os pacientes a minorarem seu sofrimento, inclusive possibilitando-os a fazerem o que quiserem nos seus últimos momentos de vida e tornarem seu falecimento mais humano, ao lado de seus amigos e familiares.
O autor encerra seu livro deixando ao leitor — ainda não moribundo, mas apavorado ante a franqueza do cirurgião escritor — essa mensagem, de que nós, seres humanos, devíamos pensar sobre o assunto, aprendendo mais e melhor sobre essa famigerada, mas inexorável ars moriendi.

2. À Guisa de Conclusão

É do conhecimento geral: ninguém quer saber sobre a morte, ainda mais como se deve morrer. Acredita-se seja foro íntimo a problemática da morte. O que queremos saber é sobre a vida, desfrutá-la em todos os momentos, da melhor maneira possível. Não tanto quanto pressupõe a fórmula sartriana de vivre pour vivre — puro ateísmo, uma vez que não somos só carne, matéria, mas espírito, transcendência compartilhada com imanência. Nem só de pão vive o homem — reverberou o Mestre.
Mas de uma coisa não podemos jamais nos furtar: a de que, em algum momento de nossa vida, enfrentaremos a dita cuja. O que se espera é que não soframos, caso nos tornemos um ente terminal, com a dor, o sofrimento, como os casos apontados pelo autor. È aí que reside toda a questão da ars moriendi. Mas como agir nesse lúgubre enfrentamento? Como comportar-se na hora final? Sujeitar-se ao terrível entubamento? Servir de cobaia à parafernália médica?
Como se trata de fôro íntimo, fica para cada qual decidir o que mais condiz com sua consciência, seu espírito, a fé religiosa em que se inspira e o anima. Fórmula decisiva não existe e jamais existirá, pois estamos presos neste mundo pela inexorabilidade do tempo, como um relógio cuja hora fatal é chegada e que não nos surpreenda como o ladrão no meio da noite escura, despreparados para o desenlace.
Bsb, 22.02.19

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