×Comentários de Livros

Topic-iconComo morrem as democracias - Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

5 anos 1 mês atrás#86por bruno

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de Havard, nos trazem para reflexão “Como as democracias morrem” discorrendo sobre diversos contextos, mas, particularmente, buscando retratar como a eleição de Donald Trump se concretizou nos Estados Unidos.

Os autores fazem uma “viagem” a diversos países que tiveram suas democracias comprometidas tais como Chile, Argentina, Gana, Grécia, Guatemala, Nigéria, Paquistão, Peru, República Dominicana, Tailândia, Turquia, dentre outros.

Ao longo dos anos encontraremos mudanças das regras de escolhas de candidatos a presidente, visando “favorecer” outsiders que surgem. Nos Estados Unidos, por exemplo, a escolha sempre foi feita em pequenos grupos da sociedade que dominavam as regras do jogo, particularmente quando os lideres tradicionais sentiam-se ameaçados e corriam o risco de perder o controle desta escolha.
Era necessário reescrever regras.

O fim da Reconstrução pós-Guerra Civil em 1870 trouxe uma conquista maciça do direito de votar pelos afro-americanos, o que representou ameaça ao controle branco sulista e fortaleceu a predominância do Partido Democrático.

Entre 1885 e 1908 houve ampla reforma das constituições estaduais e leis eleitorais, restrição ao direito de voto dos afro-americanos, introdução de um imposto de votação “neutro” para todos os adultos, exigências de posse de propriedade, testes de alfabetização e complexas cédulas escritas de votação. A maioria dos negros eram iletrados e isso fez com que a votação caísse vertiginosamente.
Depois de 1972 a escolha passou a ser feita em primárias, com milhões de eleitores. O institucionalismo corrente na política, o peso das normas legais e arranjos institucionais explicam o comportamento político e as mudanças das regras. Nas primárias Republicanas Presidenciais surgem as - primárias vinculantes - onde os delegados eram selecionados pelos próprios pré-candidatos para garantir lealdade; já para os Democratas eram utilizadas regras proporcionais em muitos estados para aumentar a representatividade das minorias e das mulheres.

O caminho para a indicação não mais passava pelo establishment. Estes guardiões dos portões poderiam ser derrotados. Foram enfraquecidos uma vez que foi eliminado o processo de revisão para pares e abrindo a outsiders muitas vezes populares e demagogos.

Veremos que essas mudanças passaram também por outros países. Fugimori, no Peru, é um exemplo. Simplesmente queria concorrer ao senado mas não foi indicado pelo partido. Criou o seu e se autonomeou candidato a Presidente. O Peru estava em crise e ele não tinha ideia de como resolvê-la. Optou por governar a partir do ser laptop. Brigou com o congresso e prometeu acabar com os tabus instalados nos tribunais. Dissolveu o Congresso e a Constituição.

Durante sua campanha e mesmo depois de eleito mandou gravar vídeos de políticos, juízes e congressistas, empresários, jornalistas e editores pagando ou recebendo suborno ou exercendo outras atividades ilegais. Mantinha magistrados da Suprema Corte e do Tribunal Constitucional em sua folha de pagamento. A melhor forma é comprá-los.

A Venezuela é outro exemplo. Em passos lentos, Chavez deu os primeiros sinais de autoritarismo, postergando referendo liderado pela oposição, aparelhando a Suprema Corte e alterando sua composição, sob um verniz democrático e discurso populista de proteção ao país e sua população. Fechou emissora, prendeu e exilou políticos, juízes e figuras da mídia e eliminou limites dos mandatos presidenciais. Sua ditadura ostensiva era sob a forma de fascismo, comunismo ou domínio militar. O retrocesso democrático na Venezuela começou nas urnas.
regras escritas e não escritas. A República Americana não nasceu com normas democráticas fortes. A Lei da Sedição de 1798 que criminalizava afirmações falsas contra o governo era vaga. O Congresso reduziu o tamanho da Suprema Corte porque não havia claramente o número de pessoas que deveria compô-la. A polarização sobre a escravidão, ordens executivas de Constitucionalidade eram dúbias. No entanto, o sistema político funcionou pela exigência de regras não escritas. As normas de tolerância mútua e reserva institucional funcionaram como um sistema de freio e contrapeso.
A reforma política nos Estados Unidos buscou evitar o “gerrymandering” – manipulação do desenho dos distritos para favorecer determinados grupos onde é usado o voto distrital. Em não sendo obrigatório o voto, aparecem questões como grande número de adultos não registrados.
Os autores conferem um papel importante às regras formais (dirigentes políticos acatam as normas) e as informais (onde há tolerância mútua para reconhecer os rivais) e reserva institucional para evitar ações que violem o “espírito das regras”.

Há diferentes maneiras de arruinar a democracia: reescrever regras eleitorais, redesenhar distritos eleitorais, fazer uso das armas e rescindir direitos eleitorais são algumas delas.
Processos “legais” podem subverter as democracias passando, inclusive, pela aprovação no gislativo e aceite dos tribunais sob o argumento de aperfeiçoá-las. A erosão democrática é quase imperceptível. Seu enfraquecimento pode passar por polarizações sectárias extremas, adentrando para conflitos de raças e culturas.

Demagogos extremistas surgem até mesmo em democracias saudáveis. Aqui é a vez de os partidos políticos evitarem que acumulem poder, mantendo-os fora das chapas eleitorais, não se alinhando com eles. Quando isso não funciona, mais uma vez a democracia está em perigo. A chegada ao poder pode subverter instituições democráticas. Elas não são suficientes para barrá-los: a Constituição tem que ser defendida por partidos políticos, cidadãos organizados e normas democráticas.

Outsiders políticos com talento para capturar a atenção como Hitler, Fugimori, Chavez, chegaram ao poder via eleições ou alianças poderosas, que, mesmo não concordando reconheciam que eles tinham o apoio popular. Ascenderam ao poder porque políticos do poder negligenciaram os sinais de alerta.
Elites políticas e partidos servem como filtro aos demagogos e autoritários. Eles podem ser identificados por meio de algumas características: liderança em golpes fracassados ou não, envolvimento em violência paramilitar, rejeição a regras democráticas do jogo, negação da legitimidade dos oponentes, tolerância e encorajamento à violência, indicação de restrição de liberdades. Não necessariamente têm todo esse perfil.
Os guardiões da democracia são representados por partidos políticos e líderes partidários. Partidos podem se distanciar mantendo autoritários fora da disputa eleitoral com a expulsão da organização, evitando alianças com partidos e candidatos antidemocráticos, atuando para isolar extremistas, forjando uma frente para derrotá-los, priorizando a democracia e o país e explicando aos eleitores o que está em jogo.
O sistema judiciário, serviços de inteligências e agências reguladores e tributárias podem servir como árbitros neutros para impedir fraudes. Se cooptadas podem proteger o governo de investigação e processos criminais. Quando não se pode afastar juízes independentes, pode-se contornar através de mudanças na composição da Corte e como medida extrema, destruir as cortes e tribunais e criar novos.

Autocratas eleitos buscam enfraquecer líderes que se disponham a financiar a oposição; emitem avisos para que se mantenham longe da política, decretam prisão por evasão fiscal, desvio de dinheiro e fraude. Outra maneira é silenciar figuras culturais como artistas, intelectuais, estrelas pop, atletas. No entanto, preferem cooptar permitindo atuarem, mas, longe da política.
Os autocratas, para se manter no poder precisam mudar as regras do jogo: reformam a Constituição, o sistema eleitoral e instituições, permitindo que usufruam do poder por décadas.
As democracias têm regras escritas (Constituição) e árbitros (tribunais). Existem também normas, que são códigos de condutas compartilhadas e que podem se tornar senso comum dentro de uma comunidade ou sociedade particular e ainda as grades de proteção, representadas pelas instituições públicas. Possuem também grades de proteção que são as instituições públicas.

É fundamental para as democracias a tolerância mútua, onde se pode divergir, mas aceitar como legítimo quando for o caso, concordar ou discordar. Outro fundamento é a reserva institucional, representada pelo autocontrole, comedimento e tolerância. O oposto leva a explorar prerrogativas constitucionais, indo até o limite, para derrotar os rivais. Democracias exigem negociação, compromissos e concessões.
A existência de lacunas nas funções do Presidente pode levá-lo a agir de maneira unilateral. Os poderes do Presidente centram-se nas ordens executivas, indulto e modificação de composição da Corte, substituindo aqueles não aliados. Já no Congresso permite-se obstrução dos trabalhos legislativos, por meio de instrumentos não escritos que facultam as minorias obstruírem, possibilitam limitar a discussão e tornar lento o processo. O senado pode aconselhar, consentir e solicitar o impeachment.

Normas de reserva institucional podem ser informais, denominadas “costumes do povo” como a cortesia e a reciprocidade, o comedimento e uso do poder para não colocar em risco futuras cooperações.

A opinião pública pode afetar a democracia. Quanto mais alta a taxa de adesão da população, mais perigosa se torna. Para o equilíbrio, é necessário o uso da tolerância mútua e reserva institucional.
Voltemos ao objeto central do livro: A democracia nos Estados Unidos.

Em 2015, Donald Trump se candidata à presidência defendendo posições extremistas. Nunca havia exercido um mandato eletivo. Os guardiões dos partidos eram apenas sombras: o aumento do dinheiro de “fora” e a explosão da mídia alternativa facilitam a concorrência de outsiders. Os guardiões falharam nas primárias “invisíveis” que se tornaram irrelevantes, nas primárias propriamente ditas e na eleição geral.
A atuação de Trump foi marcada pela “era digital” criando controvérsias. Os líderes republicanos assumiram que não tinham mais controle sobre as indicações presidenciais.
Com a chegada de Trump ao poder os políticos passaram a tratar seus rivais como inimigos, intimidaram a imprensa livre e ameaçaram rejeitar o resultado das eleições. Donald Trump foi eleito pela insatisfação das pessoas, fracasso do Partido Republicano em impedir que ele integrasse às fileiras quando de sua indicação. Não funcionaram os freios e contrapesos e as normas democráticas não escritas - tolerância mútua.

Trump demonstrou compromisso débil com o jogo democrático para que milhões de imigrantes ilegais e pessoas mortas fossem mobilizadas para votar em Hillary Clinton; denunciou fraudes em larga escala e que não foram comprovadas, recusou-se a afirmar se aceitaria ou não o resultado caso fosse derrotado, descreveu sua rival como uma criminosa, subversiva e impatriótica, questionou a legitimidade de Barack Obama, tolerou e encorajou a violência, restringiu liberdades civis de rivais e críticos e ameaçou a mídia hostil.
Donald Trump é considerado um violador das normas, embora esse processo não tenha se iniciado com ele.
A intolerância partidária teve seu auge em 2008. A mídia de direita taxava Obama de marxista, antiamericano e mulçumano. Por movimentos e fatos, a gestão Obama foi marcada por extremismos e guerra sectária como resposta à ação da Tea Party, movimento social e político da ala radical dos Republicanos que repetia à exaustão que Obama não amava a nação e colocava em dúvida a sua origem.
Trump explorou na sua disputa à Presidência em 2012, a hostilidade no Congresso entre Democratas (minorias e afro americanos especialmente) e Republicanos (cristãos evangélicos e brancos) e a desintegração das normas básicas de tolerância e reserva mútua, gerando paralisação do governo. Sequestros legislativos, redesenho distrital e recusa em aceitar nomes para a Suprema Corte, empurraram os Republicanos para a direita e os Democratas para a esquerda. A mídia e interesses de fora, mudanças sociais e culturais levaram o Partido Republicano para o extremismo.

Trump no seu primeiro ano, atacou adversários, a mídia, questionou a legitimidade dos juízes, ameaçou cortar o orçamento federal, capturou árbitros, tirou do jogo importantes jogadores, reescreveu regras, solicitou garantias de lealdade aos serviços de inteligência e agências éticas e tribunais e criou uma Comissão Presidencial de Aconselhamento sobre Integridade Eleitoral. Aos abusos do Presidente, os Republicanos responderam com uma mistura de lealdade e restrição.

Mesmo que Trump não desmantele as instituições democráticas, suas violações podem corrompê-las. Aqui se destacam as normas de separação entre público e privado, a proibição de nomear membros da família para cargos públicos, o uso de cargos políticos para enriquecimento pessoal, as denúncias de legitimidade das eleições, a quebra das normas de reconciliação pós-eleitoral e as mentiras com declarações públicas falsas.
Há sinais de recuo das democracias em todo o mundo sinalizando uma onda de retrocesso. Os Estados Unidos pós Trump poderá ter três futuros possíveis:

1) rápida recuperação democrática; Trump aí fica em cenário desfavorável;
2) Trump é reeleito e os Republicanos levariam vantagem nas eleições e
3) o futuro pós Trump será marcado por polarizações.

Oposição intransigente e jogo duro podem levar ao caos. No caso dos Estados Unidos cabe aos Democratas restaurarem as normas e fortalecer as instituições por meio de coalizão e criação de normas coletivas colocando na pauta a igualdade racial e diversidade étnica. É senso comum naquele país que perder a democracia é pior que perder as eleições.

E o Brasil? Qualquer semelhança será mesmo mera coincidência???

Ena Galvão
Bsb, 19/11/2018

Please Acessar to join the conversation.

Moderadores: murilo
Tempo para a criação da página:0.239 segundos
Powered byFórum Kunena

Pesquisa Fórum

Palavra chave

Últimas do Fórum

  • Não há postagem a mostrar

Cotação Dólar

Facebook