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Topic-iconO FILHO ETERNO — MEMÓRIAS DISFARÇADAS

4 anos 3 meses atrás#94por bruno

Murilo Moreira Veras

1. Prólogo
Discutimos O Filho Eterno do escritor catarinense Cristovão Tezza. O autor o define como romance, mas tem as características de um memorial, espécie de memórias inacabadas. Recebeu vários prêmios, oito segundo a contracapa. Seria então uma verdadeira obra-prima. Pelo sim, pelo não, uma prima-obra.
Escrito em terceira pessoa — de certo um disfarce, para evitar o solipsismo literário e até mesmo vivencial — o autor relata em forma quase de diário seu itinerário reflexivo depois que se tornou pai de uma criança com síndrome de Down.

É evidente que a narrativa se refere a ele próprio, o autor e ao mesmo tempo personagem. Dir-se-á um truque estilístico, de cujo artifício muitos escritores dele se utilizaram, inclusive nossa conhecida Clarice Lispector, no seu livro A Hora da Estrela — a personagem Macabéia é a própria Clarice que se vê envolvida, com que ela, através de uma estratégia estilística e ficcional, se apequena e ao mesmo se eleva à frente do leitor.

Sob esse nosso viés é justamente o que ocorre com esse memorial do nosso bem louvado escritor das plagas catarinense. Ele aproveita suas reminiscências vivenciais, apresentando-se como escritor profissional, para trazer ao leitor suas posições materiais e filosóficas em face da acontecessência em sua vida de recém-casado de um filho mongoloide — expressão que rejeita terminantemente para proteger sua dignidade ferida.

Assim ele — o próprio autor — sob esse disfarce aproveita a displicência do leitor para borrifá-lo de informações e experiências de sua vida, inclusive em locais de sua origem e no exterior. Em certo sentido e sob as alegorias dos fatos narrados, nosso memorialista vai desenterrando suas excrecências interiores, ideologias e vicissitudes, transferindo-as para terceiros, que somos nós, de certo modo obrigados a aturá-las, embora depois tenhamos que compreender seu estado de espírito. Posto que não é fácil e não o será jamais, pensamos, um pai ter um filho com a síndrome que o diferencia dos demais.
A narrativa se desenrola nesse estado de coisa e de espírito como se o personagem/autor estivesse numa espécie de confessionário, no qual relatasse seus pecados interiores e exteriores e nos impregnasse das purgações sofridas, como que à espera da absolvição do desavisado leitor.




2. Minhas Impressões

O sr. Tezza é, sem dúvida um bom escritor. Escreve com clareza e não fere a norma culta, exceto alguns palavrões, mas, normal a teor da escritura atual, de certo influência do terrorismo literário ocorrente nas redes sociais. Utilizando o disfarce solipsista, o autor extravasa seus sentimentos, inclusive ideologicamente. Em alguns momentos, enxerta citações filosóficas de autores, certamente visando enriquecer sua escritura, o que significa abster-se da literatice, condição necessária a um escritor que se preze. Duas observações: a) o autor jamais cita o nome de sua esposa, eclipsando-lhe o papel importante que exerceria como mãe de uma criança problemática; b) ao final da narrativa, o leitor fica com a impressão, senão péssima, pelo menos medíocre do filho eterno do sr. Tezza — na psicopatologia das crianças com essa síndrome, há muitos casos de eles se tornarem quase normais.

2. Conclusão

O autor pratica neste livro espécie de solipsismo literário: escreve sobre si mesmo, por intermédio da vida e atuação de seu filho com síndrome de Down. Seriam memórias disfarçadas, descrevendo sensações pessoais, tendo por matéria literária o filho que intitula de eterno. Assim, entroniza a figura do filho como sendo ele próprio, seu eu-em-si , seu modo de ser ferido, mas, depois, redimindo-se do que considerava uma fatalidade, aceita o fato em estado de amorização. A anomalia do filho passa ser espécie de demérito seu, a ser redimido como culpa, de que ele deve se purgar narrando pedaços e circunstâncias de sua vida.
Eufemisticamente, o livro assume a forma de uma heurística literária, o autor se autopenitenciando, de modo a eternizar sua culpa em favor da libertação espiritual que representa o filho.


Bsb, 19.01.20

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