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Topic-iconESCRAVIDÃO SEGUNDO - LAURENTINO GOMES

4 anos 2 meses atrás#95por bruno

Murilo Moreira Veras

Analisamos hoje no Clube do Livro Escravidão do escritor, dito especialista em história, Laurentino Gomes, autor de vários best-sellers anteriores. Neste — o autor se vangloria de ter viajado a vários países, África, Estados Unidos e outros, pesquisando sobre o assunto, escravatura, hoje, envolta em mistério. O autor pretende desvendar esse escabroso mistério, revelando-o ao leitor desavisado e aterrorizado com o tema.

1. Prólogo

O sr. Laurentino Gomes se limita escarafunchar tudo que diz respeito à escravatura, especificamente aquela mantida por supostos cabeças, os mantenedores do tráfico nefando internacional, a organização, o porquê de sua ocorrência e mantença durante cerca de três séculos. O autor pretende dissecar o assunto em três volumes — este o primeiro deles, que abrange do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, o suposto grande líder dos insurgentes no Brasil. É um catatau de quase 480 páginas, inclusive com figuras, retratando os horrores pelo pincel investigativo de artistas famosos, como Paes Meneses, Rugendas, Debret, Calixto, Parreiras e outros. O resultado desse espetáculo dantesco, utilizando fontes e escritos mequiavelicamente escolhidos pelo autor, probantes de suas análises e elucubrações — é o que se vê e tem-se em mãos para ser lido. Haja paciência do leitor.

2. A Pesquisa, Fontes & Análises

Ao que tudo faz crer, o autor embebeu-se da estratégia mais atual de pesquisa, seja em ciência, economia, religião e historiografia — toma por modelo Yuval Noah Harari, aquele autor deletério de Sapiens , Homo Deus e outras barbaridades à égide dos famigerados best-sellers. O método: fontes concordantes de suas ideias e alucinações ideológicas. Para esse tipo de pesquisa, não há contraditas. Nosso visionário pesquisador reuniu em seu 1º catatau todas as fontes possíveis que concordam com ele e diz que gastou nisso seis anos de pesquisa intensa. Uau! Interessante. Muito barulho para matéria tão árdua. Narra desde o começo da escravatura, os locais africanos de onde partiram os navios negreiros, o formigueiro humano que era a África, os africanos envolvidos em lutas tribais esganiçadas, as viagens das caravelas pelo célebre e temível mar tenebroso, o transporte dos cativos em travessias nefandas, maltratados, postos a ferro como animais caçados. Depois, vendidos como escravos, para praticamente todos os países, Inglaterra, Estados Unidos, Antilhas — mas, e aí está la grande boutade, a grande sacada do autor, o problema todo foi a escravidão no Brasil e quem foi o grande vilão dessa famigerada história? Portugal — os portugueses, os que mais se aproveitaram da escravatura. E pasmemos todos nós, brasileiros miscigenados todos, também participamos do vilipêndio, tiramos proveito do butim escravagista. Pe. Vieira, o humanista, teria afirmado no século XVII: O Brasil tem seu corpo na América e sua alma na África e outro jesuíta como Vieira, Pe. André João Antonil, teria dito: Os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho. Estava perfeitamente justificada a escravidão no Brasil. E continua as escavações esquizofrênicas do autor, agora levantando os horrores praticados na Colônia Portuguesa, a Terra de Santa Cruz, pelos senhores patriarcais e seus feitores. E se acoberta em livros como, Casa Grande e Senzala, a obra-prima do sociólogo Gilberto Freire e quejandos — que, por sinal, nunca li e não posso afirmar nada. Outros indicados que, para o autor nada tinham de grandes exploradores que expandiram o território colonial, mas, na realidade não passaram de bandoleiros que massacraram índios e cativos africanos — os Bandeirantes. Claro que só louco há de negar isto, tais fatos — os Navios Negreiros, na poética vigorosa de Castro Alves: Deus, ó Deus, Onde estás que não respondes, em que sol, em que estrela tu t’ escondes. O problema é que o sr. Laurentino adota um sistema de pesquisa e apuração de um lado só, suas explicações não têm contraditas, baseando-se em fontes históricas selecionadas para reforçar seu raciocínio. Em resumo: ele não respeita o outro lado da questão, o status-quo da época. Outro ponto: o autor aponta a religião católica e os religiosos, não como pastores, mas, da maneira como ele os trata no livro — são verdadeiros trapaceiros, apoiam a escravatura e ainda a justificam nos Evangelhos.

3. À Guisa de Crítica

Não vamos desqualificar o trabalho do historiador best-seller Laurentino Gomes. Longe disso. Inobstante, não podemos aceitar o método que adotou. Por isso, propomos deixar claro alguns pontos do livro, que, a meu ver, no mínimo, exorbitam as funções de um historiador criterioso:

a) afirmação de que o Maranhão recebeu o maior contingente de escravos; ora, historiadores maranhenses Mário Martins Meirelles e Jomar Morais não confirmam isso;
b) não há provas convincentes de que os bandeirantes praticavam atos de vandalismo como diz o autor, talvez alguns o foram seguindo a cultura da época, mas não se pode generalizar;
c) a figura de Pedro Álvares Cabral é execrada pelo autor, teria praticado massacre em Calcutá, depois que descobriu o Brasil — pesquisa na internet comprova que o fato ocorreu, mas devido os mulçumanos terem descumpridos acordos firmados, não vendeta como insinua o autor;
d) o autor nutre o conceito de que os portugueses eram exploradores inveterados da África desde 1662, lucravam com o tráfego negreiro e a venda dos escravos sempre abasteciam os cofres da Coroa Portuguesa, entretanto à pag. 157 afirma que a escravatura era prática usual entre os africanos, antes da chegada dos portugueses, portanto o procedimento dos lusitanos não seria assim tão absurdo;
e) ele também cita que o Pe. Antônio Vieira, defensor inelutável do indígena, teria sugerido em sermão trocar sua mão-de-obra pelo escravo africano — na realidade a medida de importação de escravos africanos para a exploração canavieira foi aprovada pela Câmara de São Luís, em 1772;
f) aliás, a mão escrava, embora moralmente injustificável, beneficiou o Maranhão, dando à Capitania, excepcional lucro — é o que informa o conceituado historiador maranhense Mário Martins Meirelles (História do Maranhão, pag. 194/96), tão importante que só foi extinta em 1778 e seus últimos espólios perduraram até 1914;
g) às páginas 186/7 o autor procura sempre atacar a Religião Católica: os cristãos novos, aqueles judeus convertidos, para ele os maiores auxiliares do tráfego negreiro na África e assinala à pag. 187 que, em 1546, havia 200, como lançados, isto é, pessoas deportadas de Lisboa que se tornavam buscadores de escravos na Guiné, tendo eles fundado um dos principais portos de embarque de escravos do Golfo de Guiné para o Brasil (secs. XVI e XVII);
h) à pag. 198, sua crítica é tão aleivosa e descabida, que chega a comparar os ritos sagrados da Igreja — que sabemos de tradição milenar — com as mandingas, talismãs e outros itens de feitiçaria dos africanos;
i) já à pag. 199, o historiador confunde religião com política e falaciosamente insinua procedimento ganancioso da parte dos recém-convertidos congoleses à Igreja por nomearem cargos junto à Santa Sé — um tal Henrique, filho de D. Afonso do Congo, que se tornou Bispo, ora, afinal Dom Afonso poderia ter agido em boa fé, por ser realmente um homem religioso;
j) à pag. 214, mais uma insinuação malévola: Maria Santíssima seria a salvadora da alma dos escravos convertidos, mesmo sob essa ínfima condição — para atestar o fato cita Pe. Vieira, maravilhado com a proeza de Deus, isto é, Deus permitindo a escravidão;
k) à pag. 227/8, outro absurdo: baseando-se no sr. Luiz Vianna Filho (O Negro na Bahia, pag.41), afirma que São José (a imagem e o próprio santo) concordava com o tráfego de escravos africanos para o Brasil, pois, caberia a ele ... “velar pela sorte das embarcações que rumavam para a África em busca de negros para serem escravizados e cristianizados pelo batismo” — um verdadeiro descalabro;
l) à pags.242/245, uma contradição: se os britânicos se tornaram os maiores traficantes de escravos, com a criação da RAC (Adventurers of England Trading) em 1660, por que passou depois a ser crime para os mesmos ingleses traficantes, quando o lucro era enorme?
m) às pags. 346/350, capítulo A Cruz e o Chicote, o autor quer se redimir perante a Igreja depois de acusar padres e frades de se aproveitarem da escravidão, em troca de batismo — a saída honrosa neste final do livro é elogiar a Religião, sem contudo esclarecer que vários Papas condenaram o regime escravocrata através de documentos pontifícios, advertindo o clero sobre a ignomínia da escravidão (ver documentos da Associação Cultural MONFORT).

4. Conclusão

Escravidão — resultado de uma grande pesquisa do autor, neste 1º volume, reúne informações interessantes sobre esse tenebroso assunto, que é a escravatura no Brasil e no mundo. Volume copioso, inclusive com clichês e pinturas famosos alusivas. Leitura escabrosa, às vezes e outras com minudências até mesmo desnecessárias. A linguagem é escorreita, o autor luta por extrair o mais possível daquilo a que pretende chegar — fantasiar os fatos. Não concordo com muitas de suas conclusões, como assinalei acima, muitas delas realmente blasfêmias, outras por desconhecimento total dos ritos da fé católica.

Bsb, 23.02.20

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