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Topic-iconMEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS - RELATO REALISTA

3 anos 5 meses atrás#101por bruno

Murilo Moreira Veras

O livro em pauta no Clube do Livro é do autor Manuel Antônio de Almeida, “Memórias de um Sargento de Milícias.” Trata-se de uma narrativa realista que, aliás, contraria a vigente à época, a literatura romântica.

1. Prólogo

Alguns estudiosos acreditam que Manuel Antônio de Almeida, com esse relato, publicado em 1853, tenha iniciado o realismo no Brasil. O realismo que já vigia em Portugal, com os romances inovadores de Eça de Queiroz, Primo Basílio, Crime do Padre Amaro e outros do mesmo jaez publicados pelo autor. Embora a historiografia literária aponte como iniciador do realismo Machado de Assis, com seu revolucionário Memórias Póstumas de Brás Cuba, o fato de maneira alguma desautoriza o caráter realista da obra de Manuel Antônio de Almeida, nem tanto à altura de um Machado, mas tão realista quanto os romances de Aluízio de Azevedo, como O Cortiço, Casa de Pensão etc.

2. A Trama

Na realidade, o autor escreveu um folhetim, à época muito utilizado pelos escritores, inclusive o próprio Machado. Gênero de largo uso na Europa e copiado no Brasil — hoje reutilizado pela TV. Assim, o enredo de seu folhetim acompanhava o ritmo da continuidade, ou seja, dos episódios sempre terminarem num suspense para serem resolvidos no seguinte. Isto fazia com que o leitor ansiasse pelo resultado e procurasse ler o capítulo seguinte. Explique-se: o cinema utiliza muito essa estratégia, colhida dos famosos seriados de faroeste do passado. É certo que em 1853 o cinema não havia ainda nascido, tampouco a TV. O gênero folhetim foi a fonte de todas essas técnicas posteriores.
O personagem central chama-se Leonardo-Pataca, que acaba passando a segundo plano no correr do relato, à medida que surgem outros nomes, outros cenários e ao tempo em que se dão os imbróglios cooptando a atenção do leitor. Leonardo é filho do Pataca, que o abandou muito criança. O menino é criado por seu padrinho, que por todos os meios procura protegê-lo, dar-lhe educação e ter uma profissão rentável — por exemplo, cursar advocacia em Lisboa, seu sonho. Ocorre o contrário: o menino vai a cada dia se tornando igual ao pai, malandro, astucioso e, quando rapaz, mulherengo. Mesmo assim, é protegido e até mimado, pelo padrinho e pela madrinha. Suas estrepolias começam desde cedo, em casa, na escola, na igreja. Já homem feito, envolve-se em atrapalhadas, até que cai na mão de ferro do inspetor de polícia, Vidigal, o terror dos flibusteiros, arruaceiros, gatunos e que tais. É preso por vagabundagem, o padrinho o salva. Mas o padrinho-protetor falece e Leonardo vai morar com a madrinha, que vai agora livrá-lo das enrascadas em que se mete. Até que Leonardo acaba desfeiteando o poderoso Vidigal que o trancafia de vez. Mas logo a Comadre, sua madrinha vem socorrê-lo. Vidigal não a atende. Então, ela procura pessoas conhecidas importantes, como D. Maria, rica senhora, viciada em demandas judiciais, que diz vencê-las todas. A essa altura, Leonardo já está apaixonado por Luizinha, sobrinha de D. Maria, sua protetora. Mas eis que surge José Manuel, velho conhecido, que quer se casar com Luizinha, pretexto para abocanhar seu belo dote, junto à rica matrona. Sem meios, agregado em casa de uma também namorada, Vidinha, e sem emprego, Leonardo perde Luizinha, que acaba se casando com o vigarista. A essa altura, Leonardo está preso e Vidigal não quer soltá-lo de jeito nenhum. E aí vai surgir uma outra personagem a Maria Regalada, de quem Vidigal fora apaixonado no passado, a quem a Comadre recorre, junto com D. Maria. Vão à casa de Vidigal e ousam quebrar a teimosia dele: Maria Regalada pede a soltura de Leonardo em troca de sua pessoa — o que seu antigo fã não resiste. Assim, Leonardo é solto e recebe até uma recompensa, graças à astuciosa Regalada: é nomeado Sargento de Milícias, posto muito cobiçado à época. José Manuel com quem Luizinha é infeliz falece e Leonardo agora oficial casa-se com ela, além de receber toda a herança deixada por seu padrinho. São estas as Memórias deixadas por um Sargento de Milícias.

3. À Guisa de Crítica

Ora, não é de crer-se que essas peripécias narradas em episódios constituam uma obra-prima. Mas o livro tem seu valor: trata-se de relato vigoroso e ao mesmo irônico, de como eram os fatos e as ocorrências no século XIX, no Rio de Janeiro, o comportamento das pessoas, os costumes e até o tipo de culinária e divertimentos adotados. Como folhetim, atos e fatos correm soltos, muitos são engraçados, sem implicações aterrorizantes, uma espécie de passatempo em linguagem chã. E o curioso: o autor usa, às vezes, vocabulário arrevesado, quiçá erudito, talvez para compensar que trata da vida de pessoas da classe média e baixa, valorizando-a portanto. Daí talvez seu mérito, enquanto autores mais esnobes cascavilhavam feitos grandiloquentes, para agradar a sociedade alta.

4. Conclusão

Achei interessante o livro, quase uma brincadeira de esconde-esconde literário. Reúne fatos comportamentais, retratos da vida da camada menos rica da então capital federal, numa grande e, às vezes, saborosa reportagem feita de intrigas, pensamentos e ações, todas recorrentes dos seres humanos.


Vocabulário escorreito em Memórias de um Sargento de Milícias


Olhadas = espiada
Estralada = ?
Escrupulizar = ser rigoroso
Mareta = ?
Atalbafar = ?
Aguar = molhar, aguar
Serrazinas = ?
Farrancho = ?
Cambeta = pernas tortas
Lambeta = ?
Surdir = ?
Embarafustar = entrar de modo impetuoso
Machacaz = ?
Súcia = corja, malta
Mocetona = moça forte
Salvatério = ?
Bsb, 9.11.20

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