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Topic-iconCAMPO GERAL - Guimarães Rosa

2 anos 9 meses atrás - 2 anos 9 meses atrás#114por bruno

MIGUILIM E O CAMPO GERAL

Murilo Moreira Veras

A pauta hoje do Clube do Livro é a novela do autor de Grande Sertão Veredas — Guimarães Rosa — Campo Geral . É sempre uma satisfação ler obra do grande escritor mineiro — o escritor de escritura original que, praticamente, criou uma língua, ou uma linguagem, a maneira de falar do sertanejo, aquela lá dos Gerais Mineiros.

Trata-se da história da vida de um menino de oito anos chamado Miguilim, que vive lá no sertão mineiro, lugar de nome Mutum. O sertão roseano visto por um menino, o que ele vê, o que ele sente, a entourage que ali vive, que é sua família.

É difícil não se emocionar com a história de Miguilim, melhor estória, no linguajar particular roseano. O leitor como que vai acompanhando a vidinha de Miguilim, passo a passo, olhando com ele fatos e coisas que se passam ao redor daquele seu pequeno mundo. E ele, Miguilim ali sabendo tudo do que se passa naquele cafundó, sofrendo, chorando, se alegrando, fazendo peripécias com os irmãos, trocando palavras com os bichos, os cachorros, o papagaio falante, brincando com a baladeira. Os personagens os mais diversos, de nome esquisitos, escalafobéticos às vezes.

Os Personagens

Tio Terez é o tio de Miguilim, irmão do Pai, nhô Bernardo Caz Figura interessante que participa de um pequeno mistério na família. Só aos poucos se fica sabendo, precisa rebuscar o quiproquó íntimo, parece que é sabido, mas escondido.

Os irmãos de Miguilim: Maria Andrelina Cassem Caz, chamada Drelina, sorrateira, vai acumulando segredos ao irmão. Maria Francisca, a Chica é outra irmã, mais nova, bobalhadinha que só. Expedito é o Dito, esse é o espertalhão da família, o sabe-tudo, destrincha as coisas, os fatos e fantasia tudo para Miguilim. Tomezinho, este é o mais novo, choromingão, zanza por ali, os outros tomando conta dele. Vovó Izidra é irmã da verdadeira avó de Miguilinho, a que vive com a família, reclamona, a que parece sabe dos segredos, mas não quer se meter. Vaqueiro Jé é vaqueiro, faz serviço por ali. Mãitina, velha negra feiticeira. Rosa e Maria Pretinha são empregadas da casa.Vó Benvinda é a avó de Minguilim. Deográcias, amigo da família que entendia de remédios. Patori, filho de um amigo. Vaqueiro Saluz toma conta dos bois da fazenda do Pai de Miguilim. Luisaltino, amigo do Pai.

Na verdade a estória de Miguilim não tem um enredo propriamente. Há, sim, pelo menos tudo que há ali, naquela família, é um segredo, que não pode ser revelado, segredo esse que vai se revelando aos poucos, até, sem ficar realmente revelado acaba ficando embutido até o final, quando Miguilim sai da casa dos pais, do lugarejo Mutum e vai para lugar maior, fazer estudo.

Toda a estória é contada através dos olhos e dos pensamentos narrados por Miguilim, menino muito do esperto, às vezes raivoso e quem o irmão Dito tem como seu melhor amigo, que vive lhe ensinando as coisas, interpretando fatos, um pequeno sabichão.

O ponto alto na narrativa é, não há negar, o encantamento do palavreado que Guimarães Rosa utiliza, reutiliza e dá significado estrambótico e inusitado da linguagem adotada no meio do sertão, naquele lugar encantado que ele, o autor, designa de Campo Geral. É o mesmo Grande Sertão, cheio de veredas, encantado, com aquele linguajar enrolado, do qual ou no qual o autor aproveita para brincar de falar diferente.

Exemplifiquemos alguns desses linguajares de semelhança barroca que Guimarães Rosa utiliza às vezes até abusa na escritura literária:

- De ficar botado de castigo, Miguilim não se queixava” (pag.16).
- Miguilinho esfregava um pé no outro, estava comichando outro bicho de pé; quando crescia embugalhava, fica olhoso, a mãe tirava com alfinete. (pag.16).”
- mas ouviam a voz do tio Terêz entrando, vorôço dos cachorros. Tio Terêx contava que tinha esbarrado o eito na roça, porque uma chuva toda vinha, ia ser temporal.“ (pag.19)
-Dito você vai imaginar como e que é o circo?
-É uma moça galopando em pé em riba do cavalo, e homens revestidos, com farinha branca na cara... tio Terêz disse. É numa casa grande de pano.” (pag. 26)


- A nossa casa? E que o demônio diligenciava de entrar em mulher, virava cadela de satanás...” (pag.27)
- a conversa das pessôas grandes era sempre as mesmas coisas secas, com aquela necessidade de ser brutas, coisas assustadas.”(pag. 31)
-Menino, fala nisso não. Héctico é tísico, essas, derrói no bofe, pessoa vai minguando magra, não esbarra de tossir, chega cospe sangue...”Miguilim desertêia para a tulha, atontava: “ (pag.42)
-Então ia morrer; carecia de pensar feito já fosse pessôa grande?” (pag.43).
-Mas, a mal, vinha vesprando a horas, o fim do prazo, Miguilim não achava pé em pensamento onde se firmar, os dias não cabiam dentro do tempo.”(pag. 51).
-Daí mas descambava, o dia abaixando a cabeça morre-não-morre o sol.”(pag.53).
-Você nasceu em dia-de-sexta com os pés no sábado, quando está alegre por dentro que está triste por fora...” (pag.58).
-Seo Aristeu entrava, alto, alegre, alto,falando alto,era um homem grande, desusado de bonito, mesmo sendo roceiro assim; e dôido, mês. Se rindo com todos, fazendo engraçadas vênias de dansador. (pag.55)”
-E Miguilim tudo falava, mas Tio Terêz estava de pressa muito apurado, vem em quando punha a cabeça para escutar.” (pag.62).
-Quando o diabo está perto, a gente sente cheiro de outras flores.”(pag.66)
-Do lobishomem revirando a noite, correndo sete-portêlos, as sete-partidas.”(pag.71)”.
-Tio Terêz não desanimava de nada, recrescia naquela vontade estouvada de pessôa, agarrava no braço dele, falava, falava, falava, não destia nenhuma.” (pag.73).
-O Dito, menor, muito mais menino, e sabia em adiantada as coisas, com uma certeza, descarecia de perguntar” (pag.77).
-Mas vem um tempo em que, de vez, vira a virar só tudo de ruim, a gente paga os prazos.” (pag.85).


-E o Dito dormia sem adormecer, ficava dormindo mesmo gemendo.” (pag.97).
-Mas ai, no voo do instante, ele sentiu uma coisinha caindo em seu coração.” (pag.98).
-Mãitina era uma mulher muito imaginada, muito de constâncias.”(pag.103).
-ele Miguilim solto em si, ainda podia ficar prejudicado da mente do juízo” (pag.105).” Miguilim, você precisa de mostrar sua pombinha à Rosa, à Maria Pretinha, quando não tiver ninguém perto” (pag.112)
-Miguilim desquis de estremecer”... (pag.118).
-Se daqui a uns meses sua mãe se casar com o Tio Terez”(pag.126).

Impressão:

Guimarães Rosa criou uma linguagem literária própria, erigida em função de um dialeto literário, que lembra o idioma barroco. Até a sintaxe em sua escritura é, às vezes, convexas, como se observa nos exemplos das frases.

Por isso, é inimitável e aqueles que ensejam imitá-lo o fazem caricaturalmente. É escritor singular na literatura brasileira moderna. É um criador literário, embora de leitura algo difícil. Nesse caso da estória do menino chamado Miguilim percebe-se esta especificidade do autor ao esconder o segredo do enredo, o núcleo da mini tragédia que simula transparecer.
A meu ver — e não posso compartilhar esse fato com o parecer de ninguém porque exclusivamente pessoal — toda estória de Miguilim é que ele convive na família com uma grande tragédia: a Mãe trai, traiu ou vive traindo o marido com o Tio Terêz, nada menos que seu cunhado. Senão observe-se à página 126, quando Miguilim se prepara para deixar a casa dos pais, há aquela estranha observação de que, morto o Pai, a mãe já se prepara para casar como Tio Terêz.
É mais um caso de traição feminina não provada, aliás sob a perspectiva de outra traição invisível a de Capitu no livro Dom Casmurro de nosso fabuloso Machado de Assis.
Bsb, 14.07.21

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