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A Carne - Resenha de Ena GalvãoJúlio RibeiroJúlio Ribeiro era mineiro. Nasceu em Sabará em 1845 e faleceu em1890, de tuberculose. É o patrono da Cadeira 24 da Academia Brasileira deLetras. Sua obra literária, baseada no Realismo, sofreu a influência de EmileZola e outros como Antero de Quental em Portugal e Gustavo Flaubert, naFrança.No livro a Carne, faz crítica social às hipocrisias sociais e àscontradições e moralismo da elite burguesa. Aliás, essa é uma dascaracterísticas dos escritores realistas.O enredo traz a história de Helena, mais conhecida como Lenita, que,ficando órfã, passa à tutela de Coronel Barbosa, fazendeiro e amigo de seu pai.Foi morar no sítio do Cel Barbosa, que tinha um filho, Manuel Barbosa,apelidado de Manduca, bem mais velho que ela. Passou 10 anos na Europa.Lenita dedicava-se aos estudos e leitura. Tinha como ajudante uma mulatinhaesperta e um molecote.Vivia isolada e aquela vida pacata deixava-a inquieta. Começou aapresentar irritabilidade, falta de apetite e uma palidez acentuada. Uma estátuado Gladiador de Borghése, despertou-lhe a atenção e alimentou desejos atéentão desconhecidos. Tinha reações impulsivas e reconheceu que ela nãopassava de uma fêmea, que possuía como outras, um ciclo menstrual.Naquela noite sonhou com o Gladiador cobrindo-a de beijos e carícias,tocando-lhe o corpo e sentindo desejos nunca imaginados. Voltou-lhe então aenergia. Passeava pelas cercanias e tomava banho no rio. Ficava divagando,pensando num caçador excêntrico que idealizara e com quem ela dialogava.Lenita passou a apresentar comportamento de crueldade e regozijava aover animais e pessoas sofrerem. Sentia prazer em presenciar o sofrimentoalheio. Brusca mudança de comportamento.Na solidão que vivia, passou o foco de sua atenção no filho do coronel,mesmo sem o conhecer. E eis que chega Manduca, sujo, enlameado pelaviagem. Ficou decepcionada, caiu em pranto e se recolheu sem jantar.Chocou-a imagem do real frente ao que idealizara.Ao amanhecer, saiu para caminhar pela fazenda. Encontra-se comManduca. Nada lembrava o homem que conhecera na véspera. Estava diantede um gentleman que lhe ofertou uma flor. Passeio frutífero regado a conversade intelectuais. Com interesses similares, passaram a trabalhar juntos.Lenita sentia-se feliz. Pensava diuturnamente em Manuel Barbosa,ansiando pelo momento de encontrá-lo novamente. Ele, idem. Até então, nãoforam despertados pensamentos lascivos.Manduca viaja para São Paulo a negócios. Ela vai ajudá-lo a arrumar amala. Entra em seu quarto e fica deslumbrada com tanta “riqueza cultural”.Jogou-se sobre a cama, aspirando aquele perfume viril. A mucama ficouassustada. Justificou-se, dizendo que sentira uma vertigem.Manuel também não conseguia conciliar o sono, pensando em Lenita.“Era o prenúncio da aproximação entre a fêmea e o macho”. Para dar vazão àsua angústia, Lenita foi passear pelo campo. Presenciou, pela primeira vez, acobertura do touro sobre a vaca. Achou grandioso em sua simplicidade. Umnegro e uma escrava embrenharam-se na mata e Lenita presenciou um coitolascivo, meigo, bem diferente de uma cópula instintiva.Na folga dos escravos, aconteciam rituais macabros, comandados porJoaquim Cambinda, escravo octogenário. Eram sessões de feitiçaria para“fechar o corpo”, a fim de não sentirem dores, quando levados ao tronco. Esteseram os acontecimentos que distraiam Lenita, na ausência do Manduca. Elaansiava por cartas que não chegavam.Barbosa retorna, e salva Lenita de uma picada de cascavel. Ele adesejava ardentemente e esse sentimento era correspondido. A aproximaçãose deu e aconteceu a completude. Ele a possuíra com ardor.Na ausência de Manuel, remexeu seus pertences e encontrou cartas detrês mulheres. Seriam amantes? Manduca queria apenas sua carne,aproveitando-se de sua fraqueza? Será que o amava realmente ou apenasdesejava sua carne?Decepcionada, constatou que estava grávida de três meses. Precisavadar nome ao filho e ele era casado. Comunicou ao coronel sua ida para SãoPaulo. Enviou a Manduca uma longa carta onde comunicava seu casamentocom o Dr, Mendes Maia. A criança se chamaria Manuel ou Manuela, conformeo sexo.Desesperado, tomou a decisão de dar cabo à sua vida. Tomou venenopor não suportar a dor da perda de sua amada constatando que ela não oamava. Queria tão somente “sua carne”.O autor descreve com realismo o despertar do prazer para o sexo.A descrição do processo de trabalho no engenho, a produção deaguardente, espuma e mel é muito clara e minuciosa. Mesmo que não conheceas atividades de um engenho, compreende muito bem.A descrição dos cenários é perfeita, embora longa, tornando-se àsvezes, monótona.A correção e castigo dos escravos, era bastante cruel e isso fica claro nadescrição de tais atos.O vocabulário regionalista mescla-se à um vocabulário erudito. Mais deuma vez, tive de recorrer ao dicionário.Em síntese, gostei muito do livro e o entendi dentro de um contexto decrítica ao romantismo e de uma forma de expressão “sem a censura dasociedade”.Brasília, 08 de novembro de 2021.Ena Galvão
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Murilo Moreira Veras