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Topic-iconORGULHO E PRECONCEITO - Jane Austen

2 anos 1 mês atrás#120por bruno

ORGULHO E PRECONCEITO

Murilo Moreira Veras

Em nosso encontro de hoje, 28.02.22, discutimos o livro ORGULHO E PRECONCEITO, de Jane Austen (1777-1817), Ed. Civilização Brasileira, tradução de Lúcio Cardoso. É o primeiro romance da autora, publicado pela primeira vez em 1813, em Londres, com o título Pride and Prejudice.

1. Prólogo

Confesso que já tinha o livro, mas não o lera. Confesso também que a autora, Jane Austen, não me atraia. Sempre a tive como uma espécie de autora de best-seller à antiga, do mesmo diapasão de E O VENTO LEVOU, continuação daqueles romances da belle-époque da Biblioteca das Moças.

2. Enredo

Comecei a ler nossa Jane Austen motivado a criticá-la. E assim o foi, mais ou menos, até à metade do livro. Pareceu-me mais um livro de intrigas, conversa entre comadres, água com açúcar e aquele, como disse nosso regionalista Jorge Amado, converser tapiativo , conversa fiada, sem parar. A partir do meio do livro, começo a notar que a autora não era uma escritora vulgar, que caiba nos moldes simplistas do best-seller. Aos poucos fui compreendendo que o conteúdo de seu romance ia muito além, não se tratava de uma simples novela de costumes à inglesa. A autora prescrutava a história da Inglaterra, com agudeza e grande descortínio psicológico, justo o período em que os ingleses estavam prestes a entrar na dureza da era vitoriana (1837-1910), se comportavam à retranca, para não perder seu snobismo, sua altivez, enquanto fossem castas familiares herdadas do sangue azul britânico, se impusesse e desfrutassem os deleites do puritanismo farisaico. É justamente a figura ridícula de Mr. Collins, clérigo que vivia à custa da tia, floreteando em futricas de madames, casamentos e namoriscos, à busca de heranças.

Vamos aos fatos cronológicos do romance. Narra-se a história da família Bennet, formada pelo marido Mr.Bennet, sua esposa, Mrs. Bennet e cinco filhas: Jane, a mais velha, Elizabeth, a segunda, Katherine ou Kitty, a terceira, Mary, a penúltima e Lydia, a mais nova. Cada uma das moças tem um caráter, responsável pelo desenvolvimento da linha da ação do romance. Jane é muito bonita, mas já passa da idade de casar. Elizabeth é a personagem principal, regatada, mas crítica e muito responsável quanto ao nível social da família. Kitty é meio escondida na trama, o mesmo que Mary, embora seja a mais familiar de todas. Já Lydia é justamente o contrário das demais irmãs: namoradora, volúvel e comporta-se mal na sociedade onde vive, sempre colocando a família em situações difíceis. Mr. Bennet, o pai, por outro lado, não se preocupa tanto com o caráter das filhas, sequer pensou em dar-lhes os necessários e imprescindíveis dotes. Até que as coisas começam a degringolar perante a família.

Enquanto pinta esse novo quadro dos acontecimentos, a autora vai analisando os entreatos, como pintasse uma paisagem, o colorido letárgico e negativo dos passos dos figurantes. Como as moças da época só procuravam se casar, elas se apresentavam em bailes, que os havia e eram os principais assuntos das fofocas e da vida diuturna. Eram ali onde nasciam os namoros, de que, depois, podiam gerar casamentos. Esses bailes se restringiam às castas, dificilmente permitidos a pessoas pobres, sem qualificações familiares ancestrais. Mr. Bennet, o genitor das cinco casadouras, não era pobre, mas os seus bens constituíam-se apenas na sua casa e na pequena propriedade de onde tirava sua renda. Sem filho varão, com cinco moças, praticamente elas não tinham dotes e todo enlace requeria a outorga do dote, como exigia a legislatura inglesa à época. Os Bennets submetiam-se também aos Gardiners, Mr. Gardiner era o irmão de Mrs.Bennet e quem possuía muitos bens. Começa então os romances. Jane se apaixona por Mr.Bingley, rapaz de família graduada, com recursos. Elizabeth vê-se alvo de atenção de Mr. Darcy, de família riquíssima, mas considerado snob, o enlace totalmente preterido pela tia Lady Catherine, mulher orgulhosa e proprietária de valiosos bens, dizendo-se defensora da nobreza familiar. É nesse ponto que ocorrem os desastres. O primeiro é o imbróglio com o namoro de Jane, que a família de Mr.Bingley não aceita, devido mexericos. Mas o pior é o que ocorre com Lydia, com dezesseis anos apenas foge com certo militar, Mr. Wickham, de má fama, jogador e devedor de uma fortuna no lugar. Então todos os personagens se cruzam para a fatalidade, comovendo toda a família.

3. À Guisa de Crítica

Jane Austen teve vida muito curta, 44 anos, o que realmente singulariza sua escritura, a habilidade com que soube armar seus romances, a agudeza de sua interpretação dos fatos, sobremodo a crítica sutil que fez da sociedade, embora nunca tivesse saído de seu meio, simplório e até certo ponto rústico. Fato cuja análise nos extasia. O que ela quer dizer com essa história vai além do jogo de personagens, que apenas são figuras, caráteres, que ela utiliza para organizar o arcabouço da crítica simbólica que faz da época pré-vitoriana, a análise da Inglaterra perante o mundo, antes da Revolução Industrial. O inglês àquele tempo, representativo do que restava da nobreza, ousava viver o clímax do puritanismo, farisaico e pudico. Suas ações eram de viver na indolência, como observa-se em todos os personagens, homens ou mulheres. Eles, depois de impúberes, às custas das heranças paternas ou afins, o objetivo era a busca de um dote, para não esvanecer a fortuna pelo consumo, uma moça quanto mais rica melhor seria, fosse magra, feia, gorda (Mr. Collins e Mr. Wickham). Elas, com a garantia de seu dote, o plano era buscar o que fosse melhor, tivesse bens, lhes garantissem bem-estar, desfrutar da alta sociedade, o amor, quem sabe, viria por acréscimo.

A nosso ver, a parte mais importante do romance está no cap. LVI, o diálogo vulcânico entre Lady Catherine de Bourgh, tia de Mr. Darcy, a dama superiora, com Elizabeth, de classe média, (talvez média média), praticamente sem dote, de educação simplória. Observe-se que, enquanto a dama arrota grandeza, arrogância, falando em nome de sua família nobre e procura rebaixar a opositora, as respostas de Elizabeth são equalizadas, virtuosas, de equilíbrio e brio pessoal, não se deixando abater pelos insultos da outra, ao tempo que fulmina-lhe todas as acusações. É um verdadeiro embate entre a estupidez de uma e a sensatez da outra. Vale todo o romance.

Tenho apenas algumas observações a fazer sobre o romance, ipso facto da autora. As Bennets têm capacidade cognitiva muito além do normal, haja vista as falas, os diálogos, as observações, mas nunca saíram de um simples burgo — onde aprenderam, que colégio ou faculdade frequentaram? Os personagens masculinos, quase todos, são, pessoas ricas, bem vestidos, usam carruagens luxuosas, vivem no ócio e na orgia. O que fazem? Caçam, bebem, comem do bom e do melhor — e o que faz o resto das pessoas? Outro aspecto: alguns anos depois, em 1832, nascia uma grande escritora americana Louisa May Alcott cujo livro As Mulherzinhas tornou-se um best-seller mundial. Se examinarmos, Alcott, parece ter imitado muito a inglesa Austen, embora as circunstâncias sejam outras. A criatividade literária jamais esmorece, como fonte inesgotável da escritura.



Bsb, 12.02.22

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