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Topic-iconAS MENINAS REBELDES

1 ano 11 meses atrás#124por bruno

O livro em discussão no próximo dia 26 é As Meninas, de Lygia Fagundes Telles, edição da Companhia das Letras, 2009. Com este são três livros que lemos da autora no Clube. Como é sabido, Lygia faleceu há pouco, tendo sido grande perda nas letras nacionais, ela com 104 anos.

1. Prólogo

Este livro foi escrito em 1973, a autora com 55 anos, em plena maturidade, em idade e espírito. Imagina-se que a autora o escreveu sob a atmosfera e cenário do chamados “anos de chumbo” da história política do País — epíteto que lhe tem dado a esquerda para o período do governo de Garrastazu Médici (1969-74). Tirante algumas exceções, artistas e escritores faziam coro contra o governo e a chamada Revolução de 64. Decantava-se a quatro ventos que vivíamos sob uma ditadura de ferro, não importa se o País recebesse benefícios, em economia e atualização.

É neste clima e sob essa atmosfera, gerada inclusive pelos grupos subversivos que faziam ações terroristas em diversos recantos do País, que a autora Lygia Fagundes Telles escreve essa novela de 279 páginas. Certamente para acompanhar o séquito de alguns intelectuais que haviam aderido às ideias que diziam mais atualizadas e revolucionárias, provindas da Revolução Cubana, o mundo a encaminhar-se para uma etapa, que diziam progressista e libertária.

2. Enredo

Em depoimento, a autora diz que partiu da realidade para a ficção. Trabalhou durante três anos na confecção da novela. É parte da vida de três personagens: Lorena Vaz Leme, Lia de Melo Schultz e Ana Clara Conceição. As três vivem hospedadas num pensionato das freiras Santa Marcelina, em São Paulo. Lorena é a mais intelectual delas, de família rica e tradicional, com propriedades de terras; Lia às vezes chamada Lião, se envolve em luta armada contra a suposta ditadura junto com Max, seu amante, mas que ainda continua virgem e Ana Clara, a mais bonita de todas, mas detraqué, dependente de droga.

Traduzir o imbróglio das três meninas rebeldes, o fio da meada narrativa criada pela autora é que se constitui um problema para o pobre do leitor. Sim, porque a autora utiliza o aclamado monólogo interior, na verdade o famigerado fluxo de consciência (streams of consciousness) utilizado por certos escritores, à guisa de serem mais modernos que os outros. No pensionato, destaca-se a presença de Madre Alix, que em algumas ocasiões aconselha as três meninas, embora não as queira convertê-las. Elas, as meninas, são todas desmioladas, matriculadas em faculdades, mas pouco frequentam as aulas. Não sofrem restrição e fazem o que lhes dá na telha. Envolvem-se com namorados. No meio de toda essa balbúrdia, através de monólogos intermináveis, o leitor se perde nesse verdadeiro cipoal de pensamentos e elucubrações das três personagens, ora é fala de Lorena, ora é a de Lião se agatanhando com os amantes, cujo pensamento se imbrica com o de Ana Clara e de Lorena, a ricaça que decide desligar-se de sua prole. Como se diz em francês o enredo é um mélange, espécie de desbragamento orgíaco literário, cuja trama parece se dissolver num tropel olímpico de ideias e pensamentos.

3. À Guisa de Apreciação

Haja leitura, haja entusiasmo, haja ânimo para desembrulhar essa narrativa. Que verdade seja dita, de Lygia, a escritora que morreu centenária, prefiro os seus contos curtos, mas palatáveis em gênero, número e grau. A autora — penso eu, com a devida vênia — enveredou-se no cipoal literário do fluxo de consciência, aquele modismo de uso e abuso de autores que se autorrotularam, supermodernos, a partir de James Joyce, Virgínia Woolf, William Faulkner, Marcel Proust, Edouard Dujardin. Também na mesma linha se acham José Saramago, Clarice Lispector e Hilda Hilst — esta amicíssima de Lygia. Arrisco a dizer que, nesse livro, a autora quer nos alertar sobre os problemas do mundo moderno. Sim, mas sua ótica é ideológica. Deixa-se imbuir de todos aqueles refrões esquerdistas, àquela época servindo como isca, principalmente ao público jovem, desorientado diante dos acontecimentos. Os militares — os mesmos que conseguiram evitar que o marxismo terrorista tomasse conta do País — não tiveram a devida sensibilidade de orientar a juventude, ao contrário tratou os jovens como também subversivos. Não tardou para que os chamados intelectuais, os da linha esquerdistas, se rebelassem, quase em massa. Lygia deve ter ido também na onda.

À guisa de exegese, penso que as três meninas representam as três classes sociais: Lorena, é a classe alta, que esbanja arrogância, enquanto quer se alinhar às outras, ombreando-se com as outras classes; Ana Clara é a classe média que não tendo esperança nem força moral e econômica para fazer o contrapeso social, desilude-se e entra no mundo da droga; enquanto Lia, a classe mais baixa, revolta-se contra as injustiças e os desmandos da política, apelando para a força bruta, o terrorismo — não é atoa que seu amante se chama Max, de Marx.

Não dou descrédito ao livro de Lygia, nem ouso criticar seu talento literário. Sob minha ótica, sempre penso na literatura como arte, até certo ponto, sob a égide da ética e da estética. A atividade literária tenho-a sempre com a finalidade de elevar o sonho humano, portanto não me encho de orgulho de dizer isto — mas o ofício de escrever deve sempre que possível desviar-se da leviandade e do desconstrutivismo.
Bsb, 12.05.22

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