Stoner - Autor: John Williams - Comentário do Sr. Murilo Veras

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STONER – SENTIMENTO DE PEDRA

 

                                                     Murilo Moreira Veras

 

 

A primeira impressão que se tem do livro de John Williams – “Stoner” – é de que se trata de memórias, isto é, da própria vida do autor. As evidências são fortes: o nome do personagem, também William, o fato de tratar-se da vida de um professor universitário, inclusive da mesma Universidade de Missouri.

Tem sido considerado uma espécie de livro cult. Foi lançado em 1965 e esquecido, até reaparecer em 2002, publicado pela New York Review of Books, alcançando de 2012 a 2014 enorme sucesso de venda na Itália, França, Países Baixos, Alemanha e Espanha.

 

  1. 1. Um Pouco do Enredo

 

Sua trama parece simples. É cinquenta anos de vida de William Stoner, filho de agricultores que sai de sua cidade natal para estudar na capital. Vai estudar ciências agrárias, mas acaba se apaixonando pela literatura, matéria na qual vem a se graduar. E mais: por indicação de seu antigo professor, Archer Sloan, torna-se catedrático e leciona literatura na dita universidade. O livro narra a vida de Stoner em detalhes nessa atividade. Seus amigos são os professores Gordon Finch e Dave Masters, este tendo se alistado por ocasião da 2ª Grande Guerra, vem a falecer nas fileiras. Stoner vive se recordando desse velho amigo.

Casa-se com a filha de um banqueiro, Edith Elaine Bostwick, com quem não tem absolutamente qualquer afinidade, inclusive na vida conjugal, pois além do fracasso que foi sua “lua-de-mel”, ela, a esposa sempre tem uma maneira de se afastar dele, ao ponto de não manterem mais intimidade e até, mais tarde, chegar a desprezá-lo e desafiá-lo com comportamento quase psicótico. A duras penas consegue engravidar Edith, que dá a luz à pequena Grace, que o pai adora, mas que a mãe, com suas atitudes egoísticas acaba se afastando da própria filha, negando-lhe até o carinho materno.

Nesse contexto adverso, praticamente sem saída, desprezado pela esposa e vendo a afeição de sua filha também perder-se, Stoner acaba se apaixonando por uma de suas alunas, Katherine Dryscoll, e ela por ele, embora haja uma diferença de idade entre ambos. É uma paixão quase intelectiva, pois têm grandes afinidades, intelectuais e de personalidade.

É quando dá-se um imbróglio na universidade, com outro professor Holly Lomax, por causa de um aluno, Charles Walker que faz pós graduação com Stoner, mas a quem ele não quer graduá-lo por achar o rapaz incompetente. Ocorre que Lomax é Chefe do Departamento e também desafeto Stoner – os dois não se bicam há tempos. Lomax na realidade quer proteger seu “afilhado” – ambos sofrem de defeitos físicos, portanto acha que Stoner está com  preconceito.

É nesse continuum que o livro vai expondo os problemas de Stoner na universidade, inclusive também com os alunos. Lonex propõe que Stoner se aposente, mas ele não aceita. São as intrigas que surgem na universidade, picuinhas entre professores, inveja de uns, mal entendidos de outros. As coisas se complicam cada vez mais. Katherine acaba deixando a universidade, forçada pela situação. A vida familiar de Stoner torna-se insuportável, a mulher tiranzando-o, até a filha sai da linha e engravida de um jovem estudante, com quem é obrigada a casar, para salvar as aparências. Logo depois, o jovem é chamado para servir na 2ª Grande Guerra, acaba ali morrendo em combate.

Para finalizar – diríamos com “chave de pedra” e não de “ouro”– Stoner envelhece, é diagnosticado com câncer no fígado, tem pouco tempo de vida. E ele simplesmente enfrenta a morte, com tranquilidade, como o professor que se prepara para sua próxima aula: folheando um livro. É o fim.

 

  1. À Guisa de Crítica

 

O que se pode dizer do livro: é bom, bem escrito, o enredo está bem urdido, os personagens bem estruturados condizem com a trama, diálogos inteligentes, inteiramente fora dos padrões do costumeiro “best-seller”. O romance do autor certamente atende a todos esses pré-requisitos para classificá-lo como um livro de leitura acessível, capítulos breves, sem rococós descritivos, senão as descrições exigíveis à conta da evolução dramática da narrativa.

Seu estilo é sóbrio, com pinceladas de alto teor literário, como os momentos das relações íntimas entre ele, o velho e circunspecto professor e a simpática jovem estudante, ela dizendo só ter tido um amante, muito jovem e agora o casal a viverem uma mais ou menos “violenta paixão”.

Os momentos descritos com parcimônia de bom gosto literário, no entanto, assinale-se desde logo, distam anos luz do “erotismo, quase sádico”, das cenas por exemplo descritas em “O Amante de Lady Chatterley”, de D.H. Lawrence, ou dos bacanais descritos por Eça de Queiroz nas suas novelas naturalistas, como “Os Maias” e “O Primo Basílio”.

O livro – já assinalávamos – é vazado em estilo memorialista, cujo intuito é torná-lo uma história mais humana e sensibilizá-la perante o leitor. E o autor o consegue com inigualável maestria, escapando das minudências eróticas, ou cenas de histerismos pornográficos, chavões nesse e naquele estilo que só fazem enxovalhar a linguagem.

No frigir dos ovos, como se diz, o livro de John Williams, se por um lado nos dá certo prazer do ponto de vista literário – por outro nos impinge uma história extremamente triste, desumana até certo ponto, por não ter conseguido fazer com que Stoner, o personagem, ousasse saltar o “círculo de giz” de sua mediocridade.

                                                                    Bsb, 17.09.15

Murilo Moreira Veras
Diretor Cultural